Miguel Alvarenga - Foi uma grande corrida, quer pela alta competição protagonizada pelos três cavaleiros, quer pela monumental actuação dos dois grupos de forcados, quer pela seriedade e exigência dos toiros da ganadaria Vinhas, que, não sendo propriamente "de bandeira", transmitiram emoção e pediram contas "à séria" a quem tiveram pela frente. Só faltou público ontem à noite no Campo Pequeno...
Gostava de conseguir entender por que razão os (ditos) aficionados voltaram as costas à primeira praça do país e insistem em dar de bandeja a Medina todos os argumentos para que acabe de vez com as touradas em Lisboa. Impunha-se outra atitude por parte dos que se dizem aficionados, mas a realidade é que, exceptuando a memorável noite dos Mouras, o respeitável (?) público não tem mostrado o mínimo interesse em ir ao Campo Pequeno.
São os cartéis que não são atractivos? Pombeiro ainda não acertou com os gostos do público lisboeta? Esta pode ser, na verdade, uma das desmotivações dos (ditos) aficionados. Numa temporada, como a anterior, de apenas seis corridas, impunha-se que todas elas fossem grandes corridas e atractivos acontecimentos com as maiores e mais desejadas figuras. E isso, de facto, não tem acontecido. As maiores corridas da temporada têm acontecido e continuam a acontecer noutras praças, que não a de Lisboa. Moita, Santarém (este fim-de-semana, com dois dos maiores cartéis do ano), Montemor, Almeirim, Vila Franca, Sobral de Monte Agraço, Nazaré, Beja, Évora e outras praças têm estado, este ano, acima do Campo Pequeno.
Luis Miguel Pombeiro foi o grande empresário do desconfinamento. Todos lhe devemos o louvável esforço e toda a determinação com que devolveu a Festa aos aficionados em tempos de pandemia e quando todos já imaginavam que não íamos ter touradas - e sobretudo em Lisboa. Tem feito um esforço notável - há que reconhecê-lo. Mas os cartéis de Lisboa não têm tido o impacto que deviam. Têm sido, na generalidade, boas corridas, mas com elencos "de outras praças" e não propriamente do Campo Pequeno. Quando se dão só seis corridas em Lisboa (e qualquer dia serão menos e depois, quem sabe, nenhumas...), impunha-se que todas elas fossem acontecimentos únicos e de praça esgotada. Como o são os concertos.
Nem tudo se consegue. E a verdade é que Pombeiro não conseguiu Ventura, não conseguiu Rui Fernandes, não trouxe o triunfador Luis Rouxinol Jr. nem o triunfador Andrés Romero, não trouxe Guillermo Hermoso no ano da sua máxima consagração, nem Morante, não trouxe "El Juli" - e outros fizeram-no (excepção feita a Ventura e a Guillermo, que este ano não se viram - ainda - em praças nacionais).
A corrida de ontem à noite tinha um bom cartel. E afinal não foi só o toureio a pé que não chamou gente ao Campo Pequeno. Em Almeirim, com António Ferrera, a recente corrida mista esgotou antecipadamente a sua lotação permitida. Quem não mete gente são os toureiros. Mas isso todos já sabíamos, não é nenhuma novidade. Há hoje em dia grandes toureiros - e vimos isso ontem -, mas já não há um único toureiro que leve gente às praças. Já não há ídolos como havia antigamente. E mesmo assim, o Maestro Moura ainda é, há mais de quarenta anos, o mais "taquillero" de eles todos.
Ontem, no Campo Pequeno, há que o reconhecer, foram sobretudo os dois grupos de forcados que levaram gente à praça.
O cartel de dinastias estava bem montado, sofrera a substituição de Manuel Telles Bastos (ainda não recuperado da colhida em Tomar) por Francisco Palha, no contexto geral era um belíssimo elenco, composto por dois dos melhores grupos de forcados nacionais, por uma ganadaria exigente e por três das mais cotadas figuras da nova geração de cavaleiros. Mesmo assim, o público não se sentiu atraído para ir ao Campo Pequeno. Lamentável. Medina e os PAN's devem estar a esfregar as mãos de contentamento. E a culpa é só dos (ditos) aficionados e de mais ninguém.
No que a toiros diz respeito, ninguém pode acusar o empresário Pombeiro de não ter primado, em todas as corridas, por apresentar seriedade, verdade e garantias de emoção, nunca tendo defraudado o público.
Os "Santa Colomas" portugueses da séria ganadaria Vinhas tiveram muito corpo (dois rondaram mesmo os 700 quilos!), mas pouca cara. Foram exigentes, não facilitaram a vida a ninguém, uns melhores que outros, mas todos eles impuseram verdade e emoção na arena, obrigando à entrega total dos cavaleiros e ao arrojo e valentia dos forcados. Ninguém saíu maçado da praça pelo comportamento dos toiros, como muitas vezes acontece. Não foram, repito, toiros "de bandeira", mas deram à corrida a emoção que se precisa.
Duarte Pinto, Francisco Palha e João Salgueiro da Costa viveram uma noite de aguerrida e triunfal competição, cada qual puxando dos seus galões e brindando os poucos aficionados presentes com lides de elevado nível.
O primeiro toiro da noite foi complicado e transmitiu pouco. Duarte Pinto tirou-lhe todo o partido possível numa lide sóbria e emotiva, onde fez valer a arte da sua concepção clássica de interpretar, como seu pai, o toureio a cavalo.
Frente ao quarto toiro, de investidas francas e com qualidade, deu-lhe Duarte toda a importância nos ferros compridos e desenhou depois nos curtos uma lide de muita entrega e grande seriedade, com entradas frontais e a vencer o píton contrário, alcançando um triunfo importante e que o público premiou com calorosas ovações.
Francisco Palha chegou há muito tempo ao pelotão da frente e é um dos cavaleiros que mais emoção coloca nas sortes e em particular na forma como se entrega e pisa sempre a chamada linha de fogo. Excelente equitador, bregou e lidou com a arte costumeira.
Frente ao segundo toiro da noite, reservado e com coisas estranhas, esteve Palhinha com a raça, a determinação, a atitude (esperou-o com uma emotiva sorte de gaiola) e as ganas habituais, mas a lide não resultou perfeita, foi mesmo algo irregular e pautada por altos e baixos, sem o esplendor a que nos habituou.
No quinto toiro explodiu Francisco! Toiro sério e exigente, mas algo reservado e a "meter mudanças". Com ele, o triunfador Palha levou o público ao rubro e empolgou tudo e todos com uma actuação fantástica, com brega e lide perfeita e ferros de parar corações. "À Palhinha"! A deixar excelente nota do valor enorme que lhe vai na alma e da verdade imensa do seu toureio de emoção e alto risco. Uma das grandes actuações da temporada no Campo Pequeno.
João Salgueiro da Costa esteve simplesmente fabuloso frente ao terceiro toiro da noite, um bom exemplar da ganadaria Vinhas, sério como os outros, nobre e a pedir contas - e o jovem Salgueiro elevou bem alto o nome e o valor da dinastia a que pertence. Toureou "à Salgueiro", com as mesmas pinceladas de arte e inspiração que durante anos foram apanágio de seu pai, ainda e sempre uma das maiores figuras do toureio a cavalo.
Bordou Salgueirinho o toureio com recortes e momentos de verdadeira genialidade, quer na eficiente e emotiva brega, quer na consumação das sortes, cravando de frente, entrando pelo toiro dentro, pondo verdade e emoção numa lide para recordar.
Frente ao último toiro, manso e reservado, empenhou-se e entregou-se com a alma de sempre, mas teve aqui menos matéria prima para brilhar. A deficiência de fabrico de alguns ferros (inaceitável em qualquer praça, mas sobretudo numa primeira praça como a do Campo Pequeno), motivou que dois curtos ficassem rigorosamente cravados no toiro, mas os paus das bandarilhas tivessem saltado, o que levou o público a pensar que tinha falhado a cravagem, prejudicando dessa forma a actuação do cavaleiro - que, sem ser fantástica como o fora a primeira, não deixou de ser uma grande actuação. Salgueiro está num momento importante.
Bem estiveram, sem intervenções exageradas e sem capotazos a mais, os eficientes e bons bandarilheiros dos três cavaleiros.
Dando a habitual primazia aos Forcados, já aqui falei, era ainda madrugada, da noite triunfal dos Amadores de Alcochete e dos Amadores do Aposento da Moita - dois grupos dos melhores e que ontem, como se esperava, estiveram à altura do desafio dos sérios toiros da ganadaria Vinhas.
O cornetim José Henriques, figura incontornável do meio taurino nacional, teve ontem merecidas e justíssimas honras de homenagem por parte da empresa e dos toureiros e forcados que lhe brindaram as suas actuações, em nome do respeito e do carinho que todos temos por ele - na temporada em que comemora meio século a dar toques na praça do Campo Pequeno, de cuja mobília faz parte.
Ao início da corrida - que foi ontem bem dirigida por Tiago Tavares, assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva (foto de baixo), outra peça da mobília da primeira praça do país - foi também homenageado o grupo de forcados Amadores de Alcochete pelo 50º aniversário da sua fundação.
Pena, repito, que António Lúcio continue, lamentavelmente, a fazer sermões aos peixes. A péssima aparelhagem sonora da primeira praça de toiros nacional tornou, uma vez mais, completamente imperceptível o que ele disse nos momentos das homenagens a José Henriques e aos Amadores de Alcochete. Caramba, já era tempo de arranjarem os megafones!
E agora venha Pablo Hermoso! Na próxima sexta-feira 1 de Outubro, na última corrida do abono. A ver se o nº 1 enche Lisboa e se a fraca temporada acaba em beleza!
Fotos M. Alvarenga