domingo, 1 de maio de 2022

Vila Franca: se os toiros fossem sempre Castros...

Importantíssimo triunfo de Miguel Moura ontem em Vila Franca.
E uma actuação de cátedra de Duarte Pinto no quinto toiro

Miguel Alvarenga - Se os toiros fossem sempre Castros, como os de ontem em Vila Franca, depressa tudo ia ao sítio e rapidamente se separava o trigo do joio, a Festa estaria diferente.

Foram toiros para Homens (e uma Mulher!) "de barba rija", dos que pedem contas, exigem, impõem, dão seriedade e emoção ao espectáculo e não admitem erros ou meras distracções. Toiros a sério. Corpolentos, pesados (dois com 600 quilos, todos os outros com pesos acima dos 550), com idade (quatro anos), com muito sentido, com força (os Forcados que o digam!), com mobilidade e a transmitir imenso. Toiros dos que põem tudo e todos "en su sítio". E provocam calafrios nas bancadas.

Houve três toiros bravos e bons, o terceiro, o quinto (lá diz o povo que "não há quinto mau") e o sexto; dois mais reservados e mais complicados, incómodos mesmo (o primeiro e o quarto, ambos tocaram a Ana Batista), mas lidáveis; e um toiro mau, mansote, que esperava (o segundo), que teve comportamento muito abaixo dos outros. Foi aplaudido quando entrou em praça, pelo seu trapio e pela sua presença (como o foram quase todos), mas no final foi despedido com palmas de protesto. Foi o primeiro toiro de Duarte Pinto, pesou ... 600 quilos!

O triunfador mais destacado da tarde foi Miguel Moura, com duas actuações homogéneas e bem sucedidas, onde pontificou a arte do toureio mourista, a primorosa brega, os ladeios, os ferros de emoção. Foi Miguel aquele que ontem mais chegou ao público, sobretudo pela atitude demonstrada e pela ousadia com que recebeu os seus dois toiros, em emotivas sortes de gaiola que resultaram em pleno. Estava ali decidido a sair triunfador e subiu ontem mais degraus na sua ainda jovem trajectória, a mostrar que ser Moura continua a marcar a diferença. Da primeira parte da corrida foi ele o triunfador e o único a quem o exigente director de corrida Tiago Tavares concedeu música. E o público de Vila Franca - dos mais entendidos, dos mais exigentes e também dos mais "rabujentos" - ontem esteve com ele.

No final da última lide, lesionou-se no dedo polegar da mão direita quanto, no remate de um ferro, agarrou o corno do toiro e este lhe deu uma valente "mangada". Foi assistido na enfermaria e observado depois no Hospital de Vila Franca, não se confirmando, felizmente, a fractura de que se suspeitou.

Na segunda parte, com um toiro de nota altíssima da ganadaria Fernandes de Castro, o quinto bom, Duarte Pinto teve uma lide de triunfo e de cátedra, dando todas as vantagens ao oponente, citando de praça a praça, aguentando, entrando pelo toiro dentro com a destemida valentia dos eleitos e cravando ferros de muita verdade e emoção que levantaram o público das bancadas. Assim se toureia! E Duarte é há já alguns anos um toureiro de que Vila Franca gosta e que Vila Franca admira e respeita. 

No seu primeiro toiro, segundo da corrida, o pior dos seis, Duarte provou que com os toiros maus se vêem os bons toureiros. Entregou-se, pôs a carne no assador, logrou tirar do oponente todo o partido que ele não tinha - e a isso, chama-se valor, chama-se experiência. O director não lhe concedeu música, mas autorizou-lhe a volta - que Duarte não quis dar, limitando-se a ir à arena receber os aplausos do público que reconheceu o seu brilhante labor.

Sem, em momento algum, perder os seus muitos pergaminhos de arte, de classe e de valor, Ana Batista teve ontem nos seus dois toiros uma passagem discreta pela "Palha Blanco", sem o esplendor de outras tardes.

Tarde dura e também incómoda para os valorosos bandarilheiros das três quadrilhas. O público vilafranquense "embirra" com eles e não gosta de ver dar demasiados capotazos aos toiros. Estiveram empenhados, e bem, sobretudo na colocação dos toiros para os forcados. Aplausos para Diogo Vicente e Duarte Alegrete, João Ferreira e Joel Piedade, Nuno Silva e Armando Alves, toureiros de prata que valem ouro e nem sempre são compreendidos pelo respeitável público. Coisas...

Duríssima a tarde para os heróicos Forcados de Vila Franca e do Ramo Grande, ontem com clara vitória dos anfitriões, como já aqui referi pormenorizadamente. Só o facto de os dois grupos terem aceite o desafio de pegar uma corrida destas, nos merece admiração e respeito. Foram verdadeiros heróis.

Direcção acertada, mesmo que às vezes demasiado exigente (sem conceder música), mas de acordo com a seriedade e a solenidade da praça de Vila Franca, por parte do competente e sério Tiago Tavares, que esteve assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva, sendo cornetim o emblemático José Henriques, mais que uma vez ovacionado pela sua arte.

Pena que o público não tivesse acorrido às bancadas da "Palha Blanco" nesta primeira corrida da II Feira do Toiro - hoje há outra -, preenchendo ontem menos de um quarto da lotação. Talvez não fosse má ideia os senhores empresários reflectirem e meditarem sobre casos como este. O povo vive uma crise, levou com a pandemia e agora está a levar com uma subida do custo de vida por obra e (des)graça da guerra do senhor Putin - e há corridas a mais, até mais que uma no mesmo dia (ontem houve outra em Estremoz, que esteve muito composta de púbico, dizem-me). É natural e compreensível que o público seleccione os cartéis onde gastar o seu (pouco) dinheiro. Pensem nisso. A temporada ainda agora vai no adro, ainda se pode emendar muita coisa.

Fotos M. Alvarenga