terça-feira, 20 de maio de 2025

Leonardo Mathias e Luis Canto Moniz: as entrevistas antes da passagem de testemunho no comando do GFA do Aposento da Moita

José Manuel Pires da Costa foi o cabo fundador do Grupo de Forcados Amadores do Aposento da Moita há precisamente 50 anos. Cumpre-se meio século no domingo, dia 25, da estreia do Grupo. E a efeméride vai ser comemorada no sábado, 24 de Maio, com uma corrida de gala à antiga portuguesa na praça “Daniel do Nascimento” em que se fardarão, entre antigos e actuais elementos do grupo, 100 forcados. E 50 anos depois da primeira corrida, o Aposento da Moita muda pela 9ª vez de cabo. Luis Canto Moniz, de apenas 21 anos, será o novo cabo, recebendo no sábado o testemunho de Leonardo Mathias, que foi forcado durante quinze anos e cabo nos últimos sete.

O cabo fundador José Manuel Pires da Costa comandou o grupo de 1975 a 1986, seguindo-se os seguintes cabos: Manuel Vieira Duque (1986/1990), João Simões (1990/2000), Hélder Queiroz (2000/2006), Tiago Ribeiro (2006/2013), José Pedro Pires da Costa (2013/2016), José Maria Bettencourt (2016/2018) e depois Leonardo Mathias até aos dias de hoje. Mais concretamente, até ao próximo sábado.


Fomos à praça “Daniel do Nascimento”, o palco da passagem de testemunho e da comemoração dos 50 anos do Aposento da Moita, ouvir o cabo que se despede e o cabo que o vai suceder.


Entrevistas de Miguel Alvarenga



- Começo pelo Leonardo. Quinze anos como forcado e sete como cabo, é assim?
- Exactamente. Fui forcado ao longo dos últimos quinze anos e cabo desde há sete.


- E a despedida agora por quê?

- Por motivos pessoais, alheios ao grupo. Casei há dois anos, fui pai…


- Rapaz ou rapariga?

- Uma rapariga, com um ano.


- Então não será um forcado…

- Não! Considero que está na altura de deixar os forcados e de me preocupar com a minha família. Tudo na vida tem o seu tempo.


- E que balanço fazes deste tempo todo como forcado? Valeu a pena?

- Claro que valeu a pena, sim senhor! Considero o Aposento da Moita uma escola de vida e uma escola de valores. Entrei cá um rapazinho e acabo por sair um homem, espero eu que com os valores certos, e com amigos, com bons amigos, com muitas histórias para contar e tudo isso é o mais importante nesta passagem. Ser forcado acaba por ser sempre uma passagem. Se andarmos com a intensidade certa e com a maneira certa, marca-nos para a vida. E marca toda a gente à nossa volta também.


- Isso acontece também em outros grupos, mas o Aposento da Moita é um daqueles grupos de forcados em que nos habituámos a ver nas corridas sempre na trincheira muitos dos seus antigos elementos a apoiar e a incentivar os mais novos, não é? Há uma amizade que permanece de cabo para cabo, de antigos forcados para os actuais?

- Sim, a verdade é que há e estava pouco materializada e pouco unida e eu, quando entrei para cabo, consegui unir mais essa estrutura, voltar a trazer os antigos elementos, as famílias, procurei dar mais energia à estrutura. Hoje em dia temos os antigos elementos, os antigos cabos, sempre ao lado do grupo actual, sempre. Acaba por ir sempre muita gente apoiar o grupo.



- No ano passado participaram em dez corridas, creio…
- Sim, foram dez.


- É um número muito inferior ao que era habitual, mas o que aconteceu convosco aconteceu também com outros dos chamados principais grupos. O que é que se está a passar, Leonardo?…

- É um número muito aquém do que era habitual. Eu acho que quinze era o número de corridas que um grupo deveria fazer nos tempos actuais, eu já nem digo as vinte, mas quinze corridas era o mínimo que um grupo tinha que fazer por ano. O que está a acontecer? Sei lá, penso que tem havido uma diminuição do número de espectáculos, temos muitas corridas de três grupos a pegar e cada vez mais temos os interesses a ganharem a tudo. A tudo mesmo. Os interesses estão a ultrapassar tudo, inclusivamente os valores, o próprio mérito. Há interesses de cavaleiros em meter este ou aquele grupo, interesses de ganadeiros, de empresários, enfim, os interesses que existem estão a ganhar terreno, estão neste momento a ultrapassar tudo e às vezes é difícil dar a volta a isso. Eu fui buscar algumas soluções que o grupo tinha na sua história, na sua essência, aquela internacionalização que o Aposento da Moita tem, por exemplo, voltei a ir buscar essa internacionalização, fomos ao México, a Espanha, a França, todos os anos temos essa conexão com outros países e com a tauromaquia de outros países, mas mesmo assim isso não é suficiente para chegarmos a um número razoável de corridas… acho que Portugal atravessa uma situação muito difícil em termos tauromáquicos. E é pena que todos estejamos a ter prejuízos com isso, porque os forcados e os toiros, não retirando qualquer tipo de valor a todos os outros intervenientes, são quem leva mais gente às praças. A emoção está na pega, na verdade do forcado com o toiro e com o grupo.


- O melhor e o pior momento como forcado?

- O pior momento sei bem qual foi, foi no meu primeiro ano como cabo, na terceira ou quarta corrida que eu fazia como cabo, naquela tristemente célebre noite em Coruche com os toiros de São Torcato, em que um toiro matou um cavalo do Moura Jr. e houve um toiro que magoou dois amigos meus, que foram para o hospital, e depois eu tive que resolver a papeleta e ir lá e consumar a pega, nesse dia tive a certeza de que Deus estava comigo… foi uma situação muito dura, era a minha terceira ou quarta corrida como cabo e correu muito mal. Foi uma corrida desastrosa. A pega em si nem foi muito dura, foi duro o que estava à volta disso, dois elementos para o hospital, o internamento durante quinze dias do Luis Fera, e outro forcado ferido, o João Ventura, foi também um momento difícil de ultrapassar. É sempre muito difícil para um grupo passar por uma fase tão difícil como foi esta. E recordo também outra fase muito complicada que vivi enquanto forcado, que foi a lesão do Nuno Mata no Campo Pequeno. No dia a seguir, ou dois dias a seguir, tivemos corrida em Almeirim e não foi fácil, porque os amigos mais próximos do Nuno estavam muito afectados com a situação. Não foi um momento fácil. Estes dois momentos que citei foram dois momentos muito marcantes na minha carreira. Bons momentos houve muitos, graças a Deus. Não sei, mas assim por alto recordo as pegas do Campo Pequeno, que têm uma magia espectacular, um silêncio e um brilhantismo enorme quando as coisas correm lindamente; recordo também as muitas digressões que fizemos, sempre mais unidos, mais juntos, mais concentrados no que é o nosso dever e isso, às vezes, longe de casa, acaba opor mexer também muito connosco. E recordo ainda as noites de quinta-feira na Feira da Moita, sempre com grande responsabilidade e recentemente, no ano passado, conseguimos um feito espectacular que foi pegar doze toiros à primeira tentativa na nossa praça, seis na corrida de Maio e seis na corrida de Setembro. Foi algo muito marcante.


- O que é que podemos esperar no próximo sábado, aqui, nesta praça da Moita?

- Temos uma corrida de gala à antiga portuguesa, que já há vinte anos não se realizava na Moita. O cortejo começa lá em baixo no Largo da Câmara e depois subimos a avenida todos juntos e aqui vão-se fazer as cortesias normais. Vamos fardar 100 forcados para comemorar 50 anos de história. A verdade é que já passaram muitos mais pelo Aposento da Moita, mas 100 é um número importante para representar todos aqueles que por cá passaram. Temos um Concurso de Ganadarias muito sério, com trapio e com idade, e com a importância deste dia e desta praça, porque a Moita é uma praça de primeira e exige toiros com categoria e com qualidade a todos os níveis. É uma corrida que está aberta de encastes, é muito positivo a empresa ter conseguido trazer este Concurso para a nossa corrida. E depois temos um cartel com três cavaleiros de idades distintas e que representam três épocas do toureio a cavalo, o Rui Fernandes, o Francisco Palha e o Tristão Ribeiro Telles Queiroz. E do nosso lado, temos seis toiros para pegar, é mais uma corrida, estamos a encará-la com a responsabilidade e a humildade com que encaramos todas a outras. Obviamente que há um sentimento muito grande por trás pelos 50 anos do grupo, pela passagem de testemunho ao Luis Canto Moniz, mas a verdade é que nem pensamos muito nisso, pensamos é nos seis toiros que temos que pegar, em fazer uma boa gestão entre actuais e antigos em cada pega, em procurar que corra tudo bem para todos e em tornar o espectáculo o mais agradável possível para toda a gente que aqui vai estar nesse dia.



- Leonardo, como está o Aposento da Moita, qual é o grupo que vais deixar aqui ao Luis?

- Penso que fiz o melhor possível para deixar ao Luis o melhor grupo possível para que ele possa estar tranquilo nos próximos anos. É algo que ele também vai ter que trabalhar. Eu quando entrei tinha uma geração e quando saio deixo outra e o mesmo vai acontecer com ele, espero que ele aguente o máximo possível esta geração de forcados que tem agora. Dá o seu trabalho. A condução de homens e a gestão de recursos humanos acabam por ser as partes mais difíceis da tarefa de cabo. Com o grupo que temos, acabámos de vir de uma temporada em que pegámos doze toiros à primeira na nossa praça, acabámos de vir de uma digressão ao México em que pegámos onze toiros. Acho que as condições estão todas reunidas para que o grupo tenha um ano memorável e comemore com toda a dignidade e todo o sucesso os seus 50 anos. Eu dei o mote a esse acontecimento e o Luis vai levar a temporada até ao fim, acho que tem todas as condições para fazer uma excelente temporada.


- Para terminar, uma curiosidade: como foi escolhido, como foi eleito o novo cabo?

- Fiz um jantar com os antigos cabos todos, onde falámos de vários nomes, tínhamos três hipóteses possíveis e o mais consensual foi o nome do Luis…


- … uma espécie de Conclave para eleger o novo Papa?…

- Mais ou menos… Mas além da escolha dos oito “Cardeais”, isto é, dos oito cabos (o Luis será o nono) e para que o processo tivesse toda a transparência, apesar de não ser uma tradição do Aposento da Moita, onde os cabos é que elegem o próximo cabo, reuni depois todos os forcados actuais, para defender o grupo actual e para defender a posição do Luis, para que houvesse tranquilidade num momento que acaba por ser sempre um momento difícil, com muita gente envolvida, acabei por trazer a decisão dos cabos à votação dos actuais forcados e eles acabaram também por escolher o Luís, pelo que ele foi votado pelos antigos cabos por unanimidade e votado também pelos forcados actuais por unanimidade. Dos mais velhos aos mais novos, ele foi a escolha de toda a gente.



- E passo a palavra ao Luis Canto Moniz, o novo cabo, o nono desde a fundação do Aposento da Moita há meio século. Quantos anos tens, Luis?

- Tenho 21 anos.


- E quantos anos de forcado?

- Cinco.


- É uma responsabilidade muito grande assumir a chefia do Grupo do Aposento da Moita, sobretudo e como nos acaba de referir o Leonardo, depois de teres sido uma escolha unânime dos antigos cabos e também dos forcados actuais, como encaras isso?

- É uma grande responsabilidade, sim senhor, mas sobretudo encaro isso com um grande orgulho. Isto foi decidido há pouco mais de um ano, foi em Abril do ano passado, e não só o “Tato” (diminutivo por que é tratado pelos amigos o actual cabo Leonardo Mathias), como o grupo actual e o grupo todo, ajudaram-me a preparar-me durante este ano e hoje em dia, a menos de uma semana da corrida, vejo as coisas com uma grande tranquilidade. A preparação não podia ter sido melhor, fui muito ajudado e o caminho foi feito para isso. Estou muito tranquilo.


- Como vieste parar ao Grupo do Aposento da Moita, como vieste para forcado, havia antecedentes na Família?

- Nunca tinha tido ligação nenhuma a forcados, vivi a minha vida toda até agora em Lisboa, ninguém na minha família tinha a ver com forcados ou mesmo com o mundo dos toiros, nada mesmo. Caí aqui de paraquedas… Tinha um amigo da escola que tinha um primo que era cá do grupo, da geração do “Tato” e que andava a convencer-me para ir a uns treinos, eu dizia que não queria, andava sempre a adiar, até que em 2020 o grupo vai pegar ao México em Janeiro e fazem um treino de preparação em Dezembro de 2019, foi um treino em casa do cavaleiro Rui Fernandes e eu acabei por ir e pronto, fiquei!



- E os teus pais, o que disseram?
- A minha mãe sentiu-se um bocado enganada, porque eu disse-lhe que ia só experimentar ir a um treino de forcados… e depois quando disse que ia ao segundo, a minha mãe não gostou nada da ideia… e então andei ali um tempo às escondidas, lavava a farda em casa de outros forcados, deixava a farda escondida dos meus pais… A minha primeira fardação foi em Setembro de 2021, ainda fiz umas corridas a seguir, fomos ao Campo Pequeno, a Vila Franca e a Elvas, essas corridas fi-las todas às escondidas e depois em Janeiro acabei por contar aos meus pais, tive uma conversa com eles, em que perceberam que já não havia muita coisa a fazer… e assumi que queria ser forcado. Olhe, aquilo já não dava, muitas vezes, quando estava em praça, tinha mais medo de me magoar por causa dos meus pais, do que tinha do toiro… A partir dessa conversa passei a ter um apoio incondicional do meu pai e da minha mãe, e desde que soube que ia para cabo têm sido incansáveis comigo.


- E estudas?

- Estudo em Lisboa, estou a tirar Gestão na Universidade Europeia, e vou arranjando uns trabalhos, mas essencialmente estou a estudar.


- Ser forcado é uma coisa, ser cabo de forcados é uma responsabilidade ainda maior, ter que escolher quem vai pegar, ter que saber conduzir homens. Sentes-te preparado para isso?

- Estou preparado, sim. O grupo actual são quase todos os forcados que cresceram comigo. Há gente nova, mas a maioria são os que cresceram comigo dentro do grupo e, no fundo, somos todos irmãos. Conhecemo-nos como as palmas das nossas mãos, somos muito amigos e muito unidos e isso facilita muito.



- Tens 21 anos, quando nasceste o Grupo do Aposento da Moita já tinha sido formado há 30. Tens conhecimento de todo o historial desde a fundação?

- Tenho conhecimento da história toda do grupo, obviamente. Por isso encaro com um grande orgulho e tenho uma grande honra em ser o nono cabo deste grupo, em poder continuar este trabalho, esta história.


Fotos M. Alvarenga