Miguel Alvarenga - Em Angra e em Lisboa
já o tinha "dito". Na Nazaré, sábado, confirmou-o em absoluto.
"Este" João Salgueiro de 2012 é o João Salgueiro dos tempos grandes.
O génio - génio, sim senhor.
Sem o frio habitual que ali se faz
sentir à noite, mas também sem o calor que se exige numa corrida de toiros,
muito por culpa do "mau empenhamento" dos toiros de Falé Filipe, a
corrida de sábado na bonita e acolhedora praça do Sítio da Nazaré decorria a
ritmo morno, apesar de uma bem ritmada lide a duo dos dois cavaleiros, de uma
esforçada faena do Maestro Mendes, de uma lide vibrante do jovem António João
Ferreira e de uma excelente actuação de António Ribeiro Telles. O público
estava meio "distante". Até que chegou Salgueiro!
Era verde e bonita a sua casaca. Talvez
a denotar a esperança que o cavaleiro de Valada deposita nesta "temporada
diferente", iniciada mais tarde que o usual, quando a
"procissão" já ia a meio e em que apostou em menos e melhores
corridas.
Era visível a sua disposição. E a sua
decisão de, uma vez mais, demonstrar que "estou aqui" e "venho
para marcar a diferença". Assim foi.
Faltou raça e bravura ao toiro,
constantemente a procurar refúgio nas tábuas. Sobrou arte e valor ao toureiro,
mais a emoção e aquele jeito muito seu de "parar corações".
Dois compridos de poder a poder foram o
mote para a "loucura" que viria a seguir. Procurou João Salgueiro dar
ao toiro a prioridade que este tardava em querer assumir. Passou "ao
ataque", provocando a investida num curto espaço milimétrico, nos terrenos
"que pesam", "entrando por ele dentro" e deixando quatro
ferros curtos em sortes "impróprias para cardíacos". A praça
"veio abaixo"! Mais um a pedido do público e eis que estava eleito,
sem tirar nem pôr, o grande triunfador da noite.
A António Ribeiro Telles coube um toiro
"um nadinha mais" colaborante. Sem o seu cavalo-craque
"Rondeño", vítima de uma cólica e em recuperação, o Maestro da
Torrinha protagonizou uma lide ao seu melhor estilo, dentro da linha clássica
que é apanágio da sua trajectória e do seu estatuto de Grande Senhor do toureio
a cavalo.
A noite de sábado na Nazaré ficou ainda
marcada pela tremenda dignidade - meu Deus! - e pela experiência que dá gosto
ver desenrolar numa lide, a cargo
do Maestro Vitor Mendes.
Não precisa de estar ali. Não precisa de
provar nada a ninguém. Trinta anos depois, ele continua a ser o primeiro dos
matadores da nossa História. E, mesmo assim, aos 54 anos, ainda "dá
cartas" - e que cartas, meus senhores!
Não abreviou, quando podia e, se calhar
devia, frente ao complicado toiro que enfrentou em primeiro lugar. Esteve
esforçado, profissionalíssimo, como é seu timbre.
O seu segundo toiro proporcionava mais
hipóteses e Vitor Mendes "viu-o" e entendeu-o desde o primeiro
segundo. Cravou um extraordinário par de bandarilhas em tércio que dividiu com
o valoroso António João Ferreira. Com a muleta e depois de também ter estado um
Senhor com o capote, desenhou faena variada e profunda, onde a entrega e o
valor foram a grande tónica.
As "cenas do próximo capítulo"
decorrem esta quinta-feira no Campo Pequeno, onde o Maestro Vitor Mendes se
apresenta uma vez mais, desta vez frente a toiros de Oliveiras Irmãos. A
expectativa é grande depois da lição na Nazaré.
António João Ferreira toureava este ano
pela primeira vez, num momento em que salvo raríssimas excepções - e a empresa
do Campo Pequeno, também gestora da praça da Nazaré, é uma delas - continuam os
nossos empresários pouco vocacionados para as corridas mistas e para o valor
dos nossos (ainda que poucos) matadores de toiros.
António João, nas raras oportunidades
que tem tido, demonstrou sempre as suas ganas, o seu querer - e, acima de tudo,
o seu valor. Tem-no às carradas. Pena que toureie tão pouco.
Sofreu aparatosa voltareta quando fazia
um quite ao primeiro toiro de Vitor Mendes, mas nem por isso
"desmoralizou". No seu primeiro toiro, de melhor nota que o último,
desenhou templada e bonita faena, parecendo estar "toureadíssimo" e
"placeado". O segundo já não lhe permitiu luzir-se, valendo a lide
pela sua entrega e, outra vez, pelo seu muito querer.
Um "apunte" para a arte do
capote de João "Curro", o "novo Bacatum" de António Telles,
aliás, com escola feita ao lado do saudoso bandarilheiro da Casa Ribeiro
Telles. Também para o excelente desempenho de Gonçalo Simões e Mário
Figueiredo, a belíssima quadrilha de João Salgueiro. E para um excelente - e
decidido - par de bandarilhas do jovem António Telles Bastos e um toiro
"difícil", numa noite em que as quadrilhas andaram meio
"desajustadas" nesse tércio, destacando-se ainda David Antunes num
bom par. Destaque também, neste tércio, para João Pedro "Juca", impecável a colocar as bandarilhas em plano superior.
Com algumas clareiras nas bancadas e a
galeria cheia, a praça da Nazaré registou no sábado meia entrada forte. Mesmo
assim, menos público que nesta mesma data há um ano, quando ali tourearam
Ferrera e "Procuna". A noite foi abrilhantada - e bem - pela magnífica Banda Filarmónica da Nazaré.
Como já referimos, registou-se ainda
auspiciosa estreia de Rogério Jóia como director de corrida - uma noite que
fica na história por ter sido, para ele, "o primeiro dia do resto da sua
vida". Sorte para as próximas!
Já a seguir: mais fotos da corrida da
Nazaré.
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com