Miguel Alvarenga - O estado fatal do
piso da arena, uma autêntica praia imprópria para a prática do toureio,
condicionou ontem a entrega e o comportamento dos cavalos, dos toureiros e dos
toiros na corrida nocturna que se realizou em praça portátil na localidade de
Pêro Pinheiro, freguesia do concelho de Sintra, organizada pela empresa
"Toiros +" - e a que o público não acorreu, preenchendo menos de
metade das bancadas.
O destaque maior vai para o jovem
cavaleiro praticante David Gomes, com duas actuações vibrantes e arriscadas
(devido, repito, as péssimas condições do piso), incompreensivelmente
"silenciado" na primeira pelo director de corrida Pedro Reinhardt,
que lhe recusou a música, vá lá saber-se por quê.
Exímio equitador - também ele, como o
seu companheiro e amigo David Oliveira, ex-campeão da modalidade de Equitação
do Trabalho - e muitíssimo bem "apetrechado" com uma quadra de bons
cavalos variada e portentosa, o jovem David Gomes galvanizou as bancadas,
executou o toureio frontal, atacou quando o toiro hesitou na investida,
provocou e recriou-se nos adornos e nos remates, terminando a sua última
exibição com um perfeito par de bandarilhas.
Aqui está, pois, um toureiro jovem que
pode - e deve - arejar os cartéis tão pouco imaginativos dos nossos empresários
e conquistar um lugar importante no nosso panorama taurino.
Não foi fácil para os toureiros e
sobretudo para os cavalos, "aguentarem-se" nas lides, face à total
impraticabilidade do piso da arena.
Rui Salvador valeu-se da sua veterania -
um posto! -, pôs "a carne no assador" com a sua usual ousadia e sacou
todo o partido, com saber e maestria, a dois toiros que também "se
travaram" quando sentiram que escorregavam e não estavam "a
jeito" num areal daqueles...
Irreverência e alta empatia com o público
caracterizam o toureio da jovem cavaleira Ana Rita, mercê da importante rodagem
que vem fazendo em arenas de Espanha. Ontem em Pêro Pinheiro, com dois toiros
que se pararam no centro da arena e recusaram "ir à luta", reservados
e "cautelosos" com o chão que pisavam, a valente toureira arriscou
tudo o que havia para arriscar e conseguiu, pela sua desmedida entrega,
conquistar as gentes.
Caíu por duas vezes. Uma, porque o
cavalo escorregou, longe do toiro. A outra, quando cravava um ferro em sorte de
"violino" e o cavalo voltou a escorregar, desta vez na cara do toiro,
que investiu sobre ela, causando momentos de algum pânico na praça.
Também Salvador e Gomes viveram momentos
de apuro, com os cavalos a escorregar, tendo o jovem praticante indo mesmo
"ao tapete" com a montada, sem contudo chegar a
"desmontar-se", prosseguindo a lide.
Os grupos de forcados de Lisboa e
Monforte também não tiveram a vida facilitada. Os toiros praticamente não
andaram nas lides e guardaram as suas forças para "desfazer" a arte
dos rapazes das jaquetas e dos barretes. Pegas duras e rijas, com os dois
grupos coesos a ajudar, nem sempre obtendo o brilhantismo desejado, mas sem ser
por culpa deles...
Resta lamentar, uma vez mais, as
péssimas condições que ontem foram dadas aos toureiros e aos toiros para
executarem o seu labor - com um piso daqueles, mais propício a banhistas e
surfistas que propriamente a toureiros, não se pode triunfar. Ninguém viu?
Ninguém tratou antes de verificar o piso? Nem a organização, nem a direcção da
corrida, nem sequer os toureiros e seus apoderados? As coisas, em Portugal,
infelizmente, continuam a ser "à balda"... E se ontem não aconteceu
uma tragédia em Pêro Pinheiro, foi só por que Deus não quis... Ficou a imagem
de uma preocupante falta de profissionalismo - de todos, sem excepção! - neste
cada vez "mais a brincar" Portugalzinho das toiradas... que já nem
Reais são.
José Lavrador, que tem uma aficion sem
limites, estreou ontem a sua ganadaria Fontembro, procedente da famosa divisa
de Cabral Ascenção e que este ano lidará ainda mais uma corrida em Oliveira do
Bairro. Toiros bonitos e bem apresentados, bem apresentados demais até para uma
praça portátil, mas cujo comportamento não deu para avaliar com profundidade,
dado que os animais se retrairam e ficaram altamente condicionados pela má
condição do piso. Mesmo assim, revelaram alguma codícia e noutras
circunstâncias ter-se-iam empregue de outra forma, acredito. Foi pena uma
estreia assim...
Exceptuando o facto - que ninguém
entendeu - de não conceder música no primeiro toiro a David Gomes, Pedro
Reinhardt dirigiu com o habitual acerto a corrida, bem abrilhantada pela
Filarmónica da Nazaré, uma banda de bons aficionados e bons músicos. Nota alta,
ainda, pra o esforçado desempenho de todos os bandarilheiros, com destaque para
José Bartissol, Adriano Marques e Joaquim Oliveira.
Os forcados apresentaram-se de luto e
houve pegas brindadas ao Céu, em memória de José Maria Cortes, por quem foi
guardado no início da corrida um minuto de silêncio, seguido de forte ovação.
Não perca, já a seguir: todas as fotos de Emílio de Jesus desta corrida e a impressionante sequência da aparatosa colhida de Ana Rita, que só por milagre não teve consequências de maior.
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com