sexta-feira, 6 de abril de 2018

Lisboa abriu temporada sob a batuta do toiro que pede contas...

Sem esgotar, o Campo Pequeno registou ontem uma memorável enchente na
corrida de inauguração da temporada. Foi para a Festa, para os toureiros e para
consagrar a aposta da empresa em três estrelas da nova vaga do toureio a cavalo
e em dois grandes grupos de forcados, com toiros sérios e exigentes
Foto Mónica Mendes
Rui Fernandes andou apenas regular no primeiro toiro, sem "explodir"
Rui Fernandes só "apareceu" verdadeiramente no quarto toiro da noite. Mas
veio em grande e rubricou uma lide memorável!
Com o segundo toiro da noite, João Moura Júnior protagonizou a grande lide
da primeira corrida do ano em Lisboa, galvanizando o público como só ele sabe!
Outra grande actuação de João Moura Júnior no quinto a marcar a diferença
de ser quem é...
O terceiro "Silva" transmitia pouco e João Telles também estave algo aquém do
seu melhor
Com um toiro que se apagou cedo, João Telles fez tudo o que podia para cravar
o último ferro, evidenciando muita atitude e acabando por resolver a situação
com um aplaudido "violino"


Nenhum teve um triunfo "explosivo", mas os três - Fernandes, Moura e Telles - estiveram de cabeça erguida e à altura do desafio que foi abrir a temporada em Lisboa com uma corrida dura, séria e exigente de António Silva. Os toiros emocionaram pelo tamanho, mas a grandeza nem sempre foi sinónimo de bravura. Os reis da noite foram os Forcados. E o público, que encheu a praça. Apesar do supremo sacrifício de ver seis toiros sem ir fazer xi-xi porque acabaram com o intervalo... Reponham-no, se fizerem a fineza!

Miguel Alvarenga - Um triunfo altamente simbólico e histórico dos Forcados de Santarém e de Montemor marcou ontem, em absoluto, a corrida inaugural da temporada no Campo Pequeno, um acontecimento a fazer lembrar tempos outros, com enorme destaque na imprensa nacional e uma motivadora enchente nas bancadas, que marcou também pela positiva esta primeira grande jornada no principal palco da tauromaquia nacional, hoje considerado igualmente uma das grandes referências a nível mundial.
Corrida dura, séria e exigente do Dr. António Silva, a dar o tiro de partida para uma temporada que se anuncia como “torista”. Toiros a pedir contas e a espalhar emoção e seriedade, mas alguns com peso excessivo, impróprio da morfologia do toiro bravo. É necessário que haja emoção e que o público sinta o perigo, essa é a verdadeira essência da Festa, mas talvez não seja má ideia encontrar um equilíbrio. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra…
O segundo toiro foi o melhor, superiormente aproveitado por João Moura Júnior. Na generalidade, os toiros “deixaram-se” lidar, mas não corresponderam em bravura à imensidão de carnes que tinham sobre os ossos. Houve grande expectativa e até alguns aplausos à grandeza e apresentação sempre que entraram na arena, mas depois constatou-se que eram grandes toiros, mas não foram grande coisa…

Três "leões" em competição

Aos três cavaleiros há que reconhecer - e aplaudir - que estiveram à altura do “embate” com uma corrida séria e portentosa.
E há que reconhecer também a vitória da aposta empresarial de abrir a temporada dando destaque a três estrelas da nova vaga do nosso toureio a cavalo, oportunidade que todos eles aproveitaram com vontade férrea de se afirmar, conquistando, com este importante passo em frente, lugares de relevo para a partir de agora, sem desprimor pelos veteranos, também eles passarem a ser cabeças de cartaz nas grandes corrida da temporada.

Rui Fernandes só "apareceu" no quarto toiro

Rui Fernandes fez das tripas coração para brilhar no primeiro toiro da noite, reservado e de investidas/arrancadas nem sempre claras. O valoroso cavaleiro empenhou-se e tentou, sem conseguir, brilhar. Sofreu demasiados toques e nem sempre a ferragem foi perfeita. Rui Fernandes não é “aquilo”.
No quarto da ordem, aí sim, apareceu por fim e em grande e conseguiu demonstrar o que de melhor tem para dar. Lide brilhante e em crescendo, com ferros emotivos e em terrenos de valor e o eterno “tremendismo” (com o cavalo fantástico que dança a “Lambada”) de um toureiro que há vinte anos faz história e que está hoje consolidado e pleno de maturidade artística e toureira. Uma actuação "à Rui Fernandes", verdadeiramente. Toureiro inquieto e irrequieto, de um valor tremendo e uma raça sem fim, a que ninguém, mesmo ninguém, fica indiferente.

Moura Jr. e a diferença de ser quem é

No conjunto das duas actuações, foi, indiscutivelmente, João Moura Júnior quem ontem marcou a diferença - e a diferença de ser quem é. Frente ao segundo toiro da corrida, o de melhor nota, esteve verdadeiramente magistral e dando conta de toda a arte que é apanágio - e é mesmo única - do toureio mourista. Brega impecável, recortes de alto gabarito e ferros da sua marca, como só ele sabe, a galvanizar tudo e todos. Soube sair a tempo, não acedendo a pôr mais um ferro, o que só por isso eleva o seu profissionalismo e o seu saber estar.
No seu segundo toiro, reservado, Moura esteve-lhe “por cima” e voltou a exibir-se em grande nível, sobretudo na preparação das sortes e na cravagem dos ferros, em terrenos de compromisso e a atacar um toiro pouco claro na investida, rematando com ladeios e “piruetas” que resultaram de grande emoção e deram fulgor a uma lide menos triunfal que a primeira. Mas mesmo acima aceitável, notória e aplaudida.

João Telles: atitude e triunfo num regresso esperado

João Ribeiro Telles protagonizou um agradável e aplaudido regresso a Lisboa, onde não toureava há um ano. Andou esforçado no terceiro toiro da noite, que transmitiu pouco, falhando dois ferros, o que retirou algum brio ao seu bom empenho.
O último da noite foi um toiro que “veio a menos”, mas a entrega e o pundonor e a casta do jovem Telles deram a volta por cima e lograram que alcançasse um triunfo mais notório, com ferros de muito boa execução e brega muito acertada. A vontade e o querer com se esforçou para cravar mais um ferro, com o toiro já “acabado”, demonstraram valor, atitude e muito querer. Esteve parado a um palmo do toiro, provocando-o, sem que este arrancasse, acabando por mudar de cavalo e resolver a situação com um “violino” a que o público não regateou fortes aplausos.
Em suma, não houve propriamente uma “explosão” brutal de nenhum deles. Mas os três estiveram de cabeça erguida diante do exigente e sério desafio de abrirem a temporada lisboeta frente a toiros de uma ganadaria dura e exigente, dos que põem tudo em seu lugar.

A noite foi dos Forcados!

A noite de ontem foi, decisivamente, dos Forcados. Noite épica, histórica e emotiva, com dois grandes grupos frente a toiros duros, a evidenciaram o seu desmedido valor, a sua raça lendária e a sua forma tão distinta e relevante de pegar toiros.
Os heróicos Forcados de Santarém e Montemor - de que não me vou alongar a pormenorizar actuações, visto já o ter feito anteriormente - sairam triunfadores absolutos desta primeira nocturna do Campo Pequeno. Foram eles, à maneira antiga, os grandes reis da festa inaugural de mais uma temporada capitalina. E os primeiros grandes pilares de uma temporada em que passarão pela arena lisboeta mais de 25 grupos.

Seriedade e rigor de um director exigente

Pedro Reinhardt merece - e de que maneira - uma palavra de apreço pela seriedade, pelo ritmo, pela exigência com que avaliou todas as actuações e pelo rigor com que concedeu música. Lisboa é Lisboa e não é uma praça “para ver a Banda passar”. Os triunfos - e a música - têm que ser conquistados com verdade. E Pedro Reinhardt é um director de corrida com elevado sentido desta realidade. E com uma tremenda e exigente aficion, acrescidas de um rigor técnico de grande profissionalismo - que também marcam a diferença.

Devolvam-nos o intervalo!

Por fim, as inovações que visavam encurtar a duração do espectáculo - as cortesias, após um minuto de silêncio (que se exigia na primeira corrida do ano na capital) em memória de várias destacadas personalidades que nos deixaram recentemente, decorreram “a três” e mais rapidamente que o usual. Muito bem.
Quanto à ausência do intervalo, é certo que permitiu que a corrida terminasse mais cedo que o costume, mas a meu ver faz falta. Houve muita andança de público na bancada no final de cada lide, isso acaba por tirar brilho e importância à volta à arena dos artistas e, depois, meus amigos, faz falta ir ao bar e à casa de banho (apesar da escassez delas na primeira praça nacional…) e faz sobretudo falta o ambiente social que sempre se viveu nos corredores da praça nesse curto espaço de tempo que divide a primeira da segunda parte, além de que ver seis toiros de seguida sentado na bancada torna-se cansativo. Aguentam nuestros hermanos, que estão habituados desde sempre a ver corridas sem intervalo, mas para o portuguesinho é um sacrifício danado…
Mais dez minutos, menos dez minutos de intervalo. não traziam mal nenhum ao mundo. A empresa que repense essa questão.
Mais valia, digo eu, começar a corrida às nove e meia, ou mesmo às nove - e estava o assunto resolvido de vez. Se muitos concertos começam às nove, porque raio se há-de manter a eterna e caduca tradição de começar as corridas de toiros sempre tão tarde? Dizem alguns aficionados que isso seria cedo demais e que não lhes prejudicava o jantarinho. Ora essa, jantem mais cedo. Eu também gosto de jantar sempre tarde, à espanhola… e quando estive um ano de férias no Linhó jantava sempre às cinco da tarde. E não morri por isso. Ainda aqui estou!

Fotos Maria Mil-Homens