Duarte Chaparreiro e Emílio de Jesus: num curtíssimo espaço de mês e meio, desapareceram duas das maiores referências da fotografia taurina |
Há uns nove ou dez anos, o Duarte fez questão de recordar e celebrar a sua velha amizade com meu Pai. E jantámos os três em Lisboa no Clube Militar Naval. Foi um encontro fantástico |
Sensivelmente um mês e meio depois da partida do nosso querido Emílio, morre outra grande referência da fotografia taurina, outro repórter da "Velha Guarda": Duarte Chaparreiro
Miguel Alvarenga - Vítima de doença prolongada, contra a qual lutou com a maior das dignidades e com todas as forças que lhe restavam, morreu esta madrugada no Hospital de Santarém o fotógrafo taurino Duarte Chaparreiro. Tinha 67 anos.
Natural de Almeirim, onde nasceu a 3 de Agosto de 1951, iniciou-se na fotografia taurina mercê das suas muitas amizades com forcados, sobretudo do Grupo de Ribatejo.
Era, aliás, referenciado como "o fotógrafo dos forcados", pela sua particular sensibilidade em retratar esta tão portuguesa arte da nossa cultura e tradição.
Uma foto célebre do matador de toiros José Falcão a rezar numa praça, num momento de concentração, confessou-o várias vezes, uma das imagens que mais gosto lhe deu fazer. Falcão viria a morrer uma semana depois em Barcelona, vítima de cornada.
Duarte Chaparreiro, o "Chapa", como os mais íntimos lhe chamavam, iniciou-se na fotografia taurina - a sua vida profissional era a publicidade, desenhador, tendo trabalhado em algumas agências da especialidade - nos anos 70. Depois, descontente com o rumo que as coisas estavam a tomar no mundo da tauromaquia, esteve vinte anos retirado. Voltou há mais ou menos dez anos. E voltou com a mesma raça e a mesmíssima arte de sempre. Tinha um feito especial, amuava às vezes por nada, mas foi sempre um homem correcto, educado, discreto. E foi sobretudo um grande repórter.
Tinha às vezes umas "guerras" com o Emílio. Mas respeitavam-se. E na edição de Fevereiro da revista "Novo Burladero", na qual colaborava há anos e onde nos deliciava mensalmente com aquelas duas páginas em que publicava e contava a história de muitas "fotos com história", homenageou o companheiro e não teve problemas em reconhecer que ele, Emílio, fora, na realidade, "o melhor".
O Duarte era muito amigo do meu Pai. Nesses anos 70, pela sua amizade a Manuel dos Santos, o nosso Comandante andava também pelas trincheiras das praças e, sobretudo, pela do Campo Pequeno, a tirar fotografias. E cimentaram ambos uma bonita amizade que, há poucos anos, quando ele regressou às praças, quis recordar e celebrar com um jantar em que estivemos os três e para o qual o meu Pai fez questão de o convidar, no Clube Militar Naval, em Lisboa. Há poucos meses, o Duarte pediu-me essa foto, queria fazer uma homenagem a mau Pai na revista "Novo Burladero". Não a encontrei. Encontrei-a hoje.
Vivemos juntos algumas paródias, bebemos muitos copos nas noites fadistas da Lisboa antiga. Vendi-lhe um dia a minha Nikon F4, porque ele me deu cabo da cabeça e não descansou enquanto não ficou com ela.
Naqueles anos 70, lembro-me tão bem dessa história, que variadíssimas vezes recordávamos, o Duarte veio um dia buscar-me a casa e fomos comemorar qualquer coisa no "Gambrinus". Ele tinha um "Carocha" e não tinha experiência nenhuma de guiar em Lisboa. Aliás, tinha horror de conduzir em Lisboa. Chegados ao Marquês de Pombal, demos umas cinco ou seis voltas à rotunda, primeiro que ele conseguisse acertar com a Avenida da Liberdade, vinham sempre outros carros ao lado e não saíamos dali...
Tínhamos muitos amigos em comum. O Nuno Mira, meu companheiro de infância no Valsassina, o Zé Romão da Silva (Bobi), que foi forcado dos que fizeram história, o meu cunhado Zé Burnay. E às vezes fazíamos umas patuscadas.
Tinha um louvável sentido de humor, apesar daquele ar meio reservado. Adorava jantares de forcados, sempre que podia, lá estava. Foi um grande amigo dos forcados. Era, aliás, amigo de toda a gente.
Tal como o meu querido Emílio, o Duarte fazia parte da "Velha Guarda" - de que já restam poucos sobreviventes. Foi um grande fotógrafo - dos tempos em que não havia metralhadoras digitais, do tempo em que se trabalhava com rolos de 24 ou 36 fotografias e era preciso mesmo ter sensibilidade - e conhecimentos - para disparar no segundo exacto e apanhar o grande momento. E ele apanhou tantos!
É outro amigo que deixa saudades.
Descansa em paz, Duarte!
Fotos Emílio de Jesus e M. Alvarenga