Uma lição marcante aos 64 anos de vida: a pega de José Luis Gomes foi um dos grandes momentos da quase terminada temporada lisboeta |
No final, o Grupo de Lisboa teve merecidamente honras de saída em glória pela porta grande da praça do Campo Pequeno |
A última "mourina" de Moura Jr. com o cavalo "Hostil", que fechou com chave de ouro mais uma noite marcante em Lisboa |
Foi a grande noite da temporada lisboeta. Pena a praça não ter enchido, mas havia fortíssima concorrência em Elvas à mesma hora. Moura Jr. voltou a marcar a diferença, Telles e Palha estiveram enormes nos seus primeiros toiros, o Grupo de Lisboa teve a noite sonhada com seis pegas à primeira e um pegão histórico do ex-cabo José Luis Gomes aos 64 anos de idade. Os toiros de Pinto Barreiros, exceptuando o sexto, transmitiram, tinham o peso ideal e foram mesmo toiros à antiga (para quê bisontes de 600 quilos?). Vergonhosa a ausência de qualquer representante da Câmara de Lisboa ou de qualquer membro do Governo na noite de homenagem a uma instituição de glória e muita história como o é o Grupo de Forcados de Lisboa. Falta de senso da directora de corrida ao não autorizar a volta à arena no último toiro a Palha. Trouxe-nos saudades dos velhinhos directores e antigos bandarilheiros que, ao menos, sabiam da arte a potes...
Miguel Alvarenga - Uma lição: a pega de José Luis Gomes, aos 64 anos, como se fosse ontem, um dos maiores momentos da temporada lisboeta. Uma glória: a noite de sonho do Grupo de Forcados Amadores de Lisboa, na comemoração dos seus 75 anos de existência, com seis monumentais pegas à primeira e a plena consagração em praça do passado, do presente e também do futuro. Um triunfador nato: João Moura Jr. marcou indiscutivelmente a diferença e deu cátedra, reafirmando a liderança. Dois grandes toureiros injustiçados: João Telles teve uma lide deslumbrante no seu primeiro toiro e também merecia a volta no segundo, que não quis dar; Francisco Palha esteve enorme no terceiro toiro e fez das tripas coração para lidar o último, o pior da noite, recorrendo às sortes a sesgos para lhe provocar a investida (que não tinha). Um facto: belíssimos os toiros de Pinto Barreiros, sem pesos excessivos, à antiga, a lembrar, não me canso de o dizer, os toiros de antigamente, os toiros dos êxitos de Núncio, de Batista, de Veiga, de Zoio, que tinham 400 e poucos quilos, não eram os bisontes de hoje com 600 e 700, mas tinham mobilidade, proporcionavam triunfos e transmitiam - como os de ontem. Uma injustiça: que não concedesse música a Palha no último toiro, porque a lide não teve, nem podia ter, um brilhantismo que fizesse soar os acordes da banda, ainda se aceita; que não o tenha autorizado a dar a volta a arena, foi uma coisa sem nexo que ontem manchou a direcção de Lara Gregório de Oliveira. E uma vergonha: a ausência de qualquer representante da Câmara Municipal de Lisboa na noite de homenagem ao Grupo de Forcados da cidade, para já não falar da também lamentável ausência de, pelo menos, um secretário de Estado que fosse - a reafirmar a falta de classe e de portuguesismo destes politiqueiros que nos (des)governa desde a "abrilada". Louvável: as presenças do antigo presidente da Câmara de Lisboa e ex-ministro da Cultura, João Soares e do ex-secretário de Estado da Cultura, Elísio Summavielle. Honra a quem esteve! Um erro: esta corrida nunca devia ter sido à sexta-feira, à mesma hora a que se realizava em Elvas o corridão que ali teve lugar. Houve tempo antecipado de sobra - e eu estou plenamente à vontade para o escrever, porque o disse variadas vezes a Rui Bento cara a cara - para alterar as coisas e realizar a corrida na quinta. Tinha estado cheia e assim pouco passou da meia casa, o que foi uma pena. Mas os erros servem para se aprender. E para a próxima já não deverá ser assim. Foi pena, repito.
Podia ficarsó assim a crónica da corrida de ontem no Campo Pequeno - já disse tudo o que se passou. Mas o acontecimento merece mais algumas considerações.
Pedro Maria Gomes deu ontem um grande exemplo da sua sapiente liderança e isso contribuiu decisivamente para o triunfo colossal dos Amadores de Lisboa com seis pegas enormes à primeira, em quase todas elas havendo a registar a intervenção de antigos elementos do grupo. E como quem é rei jamais perde a majestade, as pegas resultaram em cheio e no final o grupo saíu muito merecidamente pela porta grande do Campo Pequeno - em glória!
O passado, o presente e o futuro do Grupo de Lisboa conjugaram-se ontem em seis pegas que foram uma espécie de filme ou de livro aberto sobre um historial de 75 anos iniciado pelo sempre recordado Nuno Salvação Barreto - que, esteja onde estiver, teve que se sentir feliz ontem por constatar que os frutos das sementes que cá deixou continuam a honrar e a dignificar toda a sua obra.
Foi grande, de uma classe sem fim, de um saber e de uma arte que a todos empolgou, comoveu e encheu de um orgulho indescritível, a primeira pega da noite, feita pelo antigo cabo José Luis Gomes aos 64 anos de idade - como se tivesse 18! A quietude e a calmaria com citou, a valentia e a raça com que recuou, a mandar que nem um figurão na investida do toiro, a decisão com que se fechou e ali ficou para não mais sair, ajudado à grande por todos os companheiros, são coisas que não se descrevem. Que se sentem, como eu e todos as sentimos ontem - até às lágrimas! Que Forcado, meu Deus!
As pegas seguintes foram executadas, com um brilhantismo "à Grupo de Lisboa", a lembrar tempos antigos, pelos consagrados Pedro Gil (que sem despir a jaqueta, se despediu ontem de uma carreira marcante com uma grande pega) e Francisco Mendonça Mira (já retirado, com a garra de sempre e a técnica que marcaram a sua trajectória neste grupo), por João Maria Bagão (jovem e já grande forcado, a marcar o futuro, naquela que foi a quarta pega da sua ainda iniciante carreira), pelo também consagrado João Varanda (emotivo e enorme!) e pelo cabo Pedro Maria Gomes (que fechou a noite com chave de ouro).
A noite era de festa - e foi de festa. Fardados estiveram muitos antigos forcados e na bancada outros tantos. A família dos Amadores de Lisboa reuniu ontem toda no Campo Pequeno e a corrida ficou na História, reafirmando um grupo em grande momento e os antigos a provarem que não esqueceram.
Moura outra vez!
No que aos cavaleiros disse ontem respeito, destacou-se a primeira parte da corrida, mas também a lide do quarto toiro por Moura Júnior, a seguir ao intervalo que a empresa anuncia sempre não haver, mas que o público insiste sempre - e muito bem, digo eu - em viver, como antigamente, abandonando as bancadas, indo aos bares ou aos (poucos) wc's existentes na praça.
João Ribeiro Telles e Francisco Palha estiveram enormes nos seus primeiros toiros - Moura marcou uma vez a diferença nos dois.
Não é preciso repeti-lo, todo o mundo já reconheceu isso, João Moura Júnior é hoje em dia e uma vez mais o Moura que manda na Festa. Em dez anos de alternativa consolidou uma posição de liderança indiscutível, todo ele é segurança, maturidade e maestria. Teve ontem duas lides daquelas que marcam, fazendo alarde desse eterno toureio mourista, compassado, templado, de bom gosto - e de verdade - precisamente à mesma hora em que seu pai em Elvas marcava igualmente a diferença com uma actuação, contam-me, empolgante e à antiga.
No primeiro toiro da corrida, Moura Júnior marcou claramente a noite com uma lide verdadeiramente magistral e ferros de grande emoção. No quarto, esteve ainda superior e terminou com três "mourinas", a última das quais com um ferro de palmo, com o fantástico cavalo "Hostil", que rebentaram a escala a viraram, como se costuma dizer, a praça do avesso. Nos dois toiros fez duas sortes de gaiola que resultaram emotivas e marcaram, desde logo, a atitude e a decisão com que estava ali.
João Ribeiro Telles, também ele um dos grandes triunfadores desta temporada, realizou uma lide importante ao segundo toiro da noite, nobre e com raça, evidenciando o seu estilo único que é um misto de espectacularidade e muito classicismo. Esteve brilhante na forma como bregou, como lidou, como cravou e rematou, com classe e com arte, terminando em grande com dois ferros de parar corações no grande cavalo "Ilusionista".
O quinto toiro era um tanto reservado e João Telles esforçou-se, esteve bem, mas não repetiu o êxito anterior e até mesmo com o já célebre - e exigido pelo público - cavalo Ortigão Costa, o referido "Ilusionista", as coisas não foram iguais. Mas de qualquer modo o público estava com ele e não entendi - a não ser pela sua humildade e consciência de grande toureiro - o facto de ter recusado dar a volta à arena (autorizada pela directora de corrida). Merecia-a, digo eu.
Francisco Palha não tem "explodido" na maioria das suas actuações este ano da mesma forma com que "explodiu" e marcou a última temporada. Tem quase sempre faltado aquele "clique" para o triunfo maior. Ontem, contudo, foi o Palha de que gostamos - e sempre esperamos - quem esteve em praça na lide do terceiro toiro da corrida. À grande, com uma porta gaiola (e outra no sexto toiro) e uma lide de emoção constante, a pisar a linha de fogo, a arriscar, a empolgar e a entrar pelo toiro dentro em ferros daqueles impróprios para cardíacos.
No último toiro, manso, refugiado em tábuas, a ovelha negra da noite, Francisco Palha teve uma lide esforçada e de meritório valor, resolvendo a situação com ousados ferros em sortes a sesgo, provocando as investidas que o toiro não tinha, obrigando-o. Com toiros maus se vêem os toureiros bons e foi isso mesmo que aconteceu com Palhinha no último toiro da noite. Incompreensivelmnente, a directora de corrida Lara Gregório de Oliveira não o autorizou a cravar mais um ferro, que o público queria e no final também não lhe permitiu dar a volta à arena. Houve aqui uma enorme falta de bom senso - e até de rigor e de aficion - por parte da directora, que não tinha necessidade de manchar pela negativa esta sua terceira presença na praça de Lisboa, depois de ter estado bem nas duas anteriores. Ontem, Lara, sem justificação alguma para isso, foi injusta com Francisco Palha e obrigou-nos a ter saudades dos antigos e velhinhos bandarilheiros que foram outrora directores de corrida e, ao menos, sabiam da arte a potes...
Uma consideração sobre os toiros: antigamente, nunca me canso de o lembrar, os grandes triunfos e as grandes noite no Campo Pequeno, e noutras praças, foram com toiros como os de ontem, sem pesos excessivos, com mobilidade e transmissão, a proporcionar êxitos aos toureiros e aos forcados. Depois veio a moda dos bisontes com 600 e até 700 quilos... Ontem recordou-se o passado com belíssimos toiros de Pinto Barreiros, exceptuando o sexto, com presença e trapio qb que ninguém protestou - nem tinha que protestar. A directora de corrida autorizou (bem, aqui) Joaquim Alves de Andrade a dar volta à arena no bom toiro lidado por Moura em quarto lugar, mas o ganadero recusou humildemente, limitando-se a agradecer ovações nos médios.
Em suma, uma grande noite no Campo Pequeno - para mim, a noite da temporada - especialmente marcada, como ontem tinha que ser, pela actuação gloriosa do Grupo de Lisboa, pela lição de grandeza, de emoção e de saber de José Luis Gomes, e também por duas lides empolgantes de João Moura Júnior - que continua, por seu mérito, a ocupar o trono. Como seu pai ontem mesmo em Elvas lembrou também. 40 anos depois, repito, há outra vez um Moura a mandar na Festa.
Fotos M. Alvarenga