Maestria de Luis Rouxinol impôs-se na (meia) lide do quarto toiro, de grande qualidade e que se viria a inutilizar também, como o primeiro |
João Luz consumou à segunda tentativa a única pega dos Amadores de Vila Franca |
Grande tarde de Manuel Dias Gomes. Duas faenas distintas, de grande valor e sobrada arte, a reafirmar a classe, o temple e o poderio que são apanágios do seu toureio de bom gosto. Dois recitais |
O matador Nuno Casquinha sofreu violenta colhida (felizmente sem consequências de maior) e dois toiros inutilizaram-se a meio das actuações dos cavaleiros. Tarde acidentada, mas nem por isso de menor interesse, ontem em Vila Franca. O (difícil) público da "Palha Blanco" rendeu-se ao valor e à arte dos Rouxinóis e Manuel Dias Gomes esteve em grande, reafirmando a classe do seu belíssimo toureio. Os forcados de Vila Franca fizeram só uma pega. No final o público protestou, queria mais um toiro. Mas nada obrigava a isso
Miguel Alvarenga - Em dia de eleições e com mais uma vitória clara e estrondosa da abstenção, os aficionados "votaram" pela Tauromaquia e preencheram mais de dois terços das bancadas da praça "Palha Blanco", em Vila Franca de Xira.
Exigentes, duros, a pedir contas, a "meter mudanças", os toiros da ganadaria Palha não foram fáceis - mas os toiros não têm que ser fáceis, antes pelo contrário. Os toureiros estiveram à altura da seriedade dos exemplares da Adema. Houve toiros aplaudidos e, pela verdade e pela emoção, o ganadero merecia ontem ter tido um reconhecimento especial. Mas ficou esquecido na barreira...
Dois toiros das lides a cavalo inutilizaram-se durante as actuações e por isso os forcados de Vila Franca fizeram ontem uma única pega, ao quinto toiro da tarde, à segunda, por João Luz.
O primeiro toiro da tarde, de nota alta, partiu um corno ao embater violentamente contra as tábuas, quando Luis Rouxinol e seu filho Luis Rouxinol Júnior já tinham cravado quatro ferros compridos (a corrida abriu com a lide a duo).
O quarto, também um toiro belíssimo e que Luis Rouxinol estava a lidar em clima de verdadeira apoteose, partiu uma pata quando escorregou na arena num momento em que perseguia o cavalo e recolheu também aos currais. Não foi pegado também. No final, pelo brilhantismo da sua (meia) lide, Rouxinol foi muito justamente premiado com a volta à arena e o público esteve com ele.
No quinto - que felizmente nada sofreu e chegou ao fim sem se aleijar também, permitindo aos forcados a única pega da corrida - Luis Rouxinol Júnior teve uma actuação empolgante, reafirmando a solidez e a maturidade do seu toureio, destacando uma vez mais a sua consagrada postura de figura.
Na segunda temporada como cavaleiro de alternativa, o jovem Rouxinol continua a evidenciar uma segurança tremenda e a transmitir uma imagem de toureiro feito, como se já tivesse para trás uma mãos cheia de anos de profissionalismo. Esteve simplesmente enorme e o público (complicado, conhecedor e exigente) de Vila Franca rendeu-se por completo à sua arte - que é imensa e se afirma cada vez mais consolidada. Grande toureiro!
No que ao toureio a pé diz respeito, os momentos maiores da tarde foram ontem de Manuel Dias Gomes. Fantásticas e bonitas as lides de capote, deixando na arena aquele perfume sevilhano que caracteriza o bom gosto do seu toureio. Com a muleta, teve duas faenas distintas. A primeira de uma arte profunda e de uma beleza rara, com um toiro sério que ele dominou e hipnotizou em momentos de grande esplendor. A segunda foi uma faena de muita seriedade e mando a um toiro difícil, complicado e perigoso. Manuel esteve grande, conseguindo passes de muito mérito e recortes "pintureros" de arte e de classe. Faena de valor. Deu volta aplaudida no seu primeiro toiro e ficou-se depois entre tábuas no segundo, quando os ânimos do público já estavam exaltados e se protestava nas bancadas exigindo mais um toiro.
Presumo que o público queria os Rouxinóis a duo outra vez, mas o toiro que partiu o corno já tinha levado quatro ferros compridos e o Regulamento é muito claro quando decreta que um toiro que se inutiliza depois de já ter levado um ferro não obriga a que seja substituído por nenhum sobrero. O público não tinha, por isso, razão alguma para protestar e muito menos para exigir mais um toiro. A empresa podia, como já tem acontecido em ocasiões semelhantes, oferecer a lide do oitavo toiro (sobrero), poder podia, mas a hora já ia tardia (sete toiros, mais o tempo que o quarto levou a recolher...) e, convenhamos, os tempos não estão para andar a oferecer (e a pagar) mais toiros...
Nuno Casquinha ontem não teve sorte. O segundo toiro da tarde procurou colhê-lo desde o primeiro instante e acabou por fazê-lo quando já o matador toureava de muleta. Bandarilhou com o poderio costumeiro e iniciou a faena com entrega e vontade, mas a colhida aconteceu, violenta, brutal. Nuno saíu combalido, abreviou a faena e depois recolheu à enfermaria, de onde só saíu já no final da corrida para lidar o sexto toiro. Sofreu, segundo soubemos, lesões musculares, nenhuma fractura, mas mesmo assim veio lidar o seu segundo toiro visivelmente diminuído.
Esteve valente, é um lutador nato, um guerreiro, um toureiro de poder. Está toureado e placeado pela honrosa e gratificante luta que continua a travar no Peru - e isso tem imenso valor. Faena de plena entrega e de esforço - e o público esteve com ele, reconhecendo isso mesmo, o seu valor, as suas ganas. E sobretudo o gesto de, mesmo lesionado, não ter deixado de dar a cara. Deu uma volta à arena. A segunda, por conta própria e sem que o director de corrida tivesse levantado um dedo para a impedir, foi excessiva - e injustificada.
Tarde grande dos bandarilheiros. Dois grandes pares do enorme João Ferreira e outro de João Martins no primeiro toiro de Manuel Dias Gomes, com ambos a receber grande ovações de montera em mão. Mais outro grande par de João Martins no segundo toiro de Dias Gomes e dois mais regulares de Pedro Noronha. Casquinha não bandarilhou o seu segundo toiro e o tércio foi brilhantemente preenchido por André Rocha e pelo recordado "Chamaco", que foi novilheiro moitense promissor. Aplausos para todos eles.
A corrida era de homenagem ao Maestro José Júlio pelos seus 60 anos de alternativa, mas problemas de saúde (nada de grave, graças a Deus) impediram-o de estar presente. Mandou mensagem de gratidão e prometeu que na próxima ocasião já vai estar. Ao início da corrida, o presidente da Câmara de Vila Franca, Alberto Mesquita, esteve na arena a render tributo ao Maestro, que ali esteve ontem representado por seu irmão, Dário Venâncio e por seu sobrinho David Antunes, que se fez acompanhar de seu filho, futura estrela do toureio a pé.
Ricardo Dias dirigiu a corrida, assessorado pelo médico veterinário José Manuel Lourenço. Dirigiu com rigor e com seriedade, só dando música nos momentos certos. Menos rigor e menos seriedade quando permitiu a Casquinha a segunda volta à arena. Mas pronto, por mais injustificada que tenha sido (e foi), vamos aceitá-la, apenas e só, em nome da justiça que é preciso fazer a este toureiro em reconhecimento pela luta que anda há anos a travar nos confins do mundo, em praças distantes de hospitais e onde o risco é imenso em caso de acontecer qualquer fatalidade.
Mas ontem quem merecia as duas voltas era Manuel Dias Gomes e Luis Rouxinol Júnior. Foram eles a arte. Foram eles a afirmação.
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Fotos M. Alvarenga