sexta-feira, 31 de julho de 2020

Campo Pequeno: crónica de uma noite diferente...


Há males que vêm por bem, já dizia o outro. E a realidade é que estas novas regras ditadas pela pandemia encurtaram finalmente a duração das corridas de toiros. Foi rápida e não maçou ninguém a primeira nocturna da temporada, ontem no Campo Pequeno

Miguel Alvarenga - Foi uma corrida diferente. Num tempo diferente. A mais rápida dos últimos cinquenta anos, como bem me dizia o Manuel Andrade Guerra. Com cortesias mais parecidas com as cortesias de sempre, mas sem cumprimentos ao público à volta da arena. Os três cavaleiros entraram a cavalo e de máscara, coisa estranha, mas normal nos tempos que estamos a viver, de máscara vinham também os bandarilheiros, os forcados e os campinos. Cumprimentaram o director de corrida, o público aplaudiu-os, e foram embora, depois de se guardar um respeitoso minuto de silêncio em memória dos que morreram vítimas da covid-19 e em memória, também, do matador de toiros Mário Coelho, também ele apanhado por esta terrível pandemia, depois de tantas cornadas ter sofrido e contra esta não houve milagre que o salvasse.
A praça encheu, dentro das limitações do uso da sua lotação, agora a 50%, e isso traduziu a resposta dos aficionados à maior das "pandemias", a discriminação a que nos tentaram votar, a incerteza que pairou sobre a Festa e até mesmo sobre o futuro do Campo Pequeno, futuro que finalmente surgiu pela mão do empreendedor empresário Luis Miguel Pombeiro, para quem foi ontem uma das maiores ovações da noite quando os Forcados de Lisboa e o cavaleiro Marcos Bastinhas lhe brindaram e outra enorme houve também para os deputados da Assembleia da República que nos honraram com as suas presenças no camarote da PróToiro, eram eles João Almeida do CDS, Fernanda Velez, João Moura e António Ventura do PSD e Pedro Carmo do PS.
E fomos aos toiros em segurança, como já tínhamos ido em Estremoz. Pombeiro deu mais uma vez o exemplo. Cartazes em todas as entradas a lembrar as obrigações que temos a cumprir, o uso de máscara, o lavar as mãos com gel desinfectante, o esperar ordeiramente pelas ordens para no final abandonar as bancadas. E ao contrário do que acontecia nos últimos anos, voltaram a estar abertas todas as portas da praça para que as entradas para os sectores se fizessem como se fazia noutros tempos e não todos "ao molho" pela porta principal.
Houve, de facto, muita coisa que mudou. E que se calhar vai ficar assim para sempre. As cortesias são mais simples e rápidas e não há voltas à arena. Cavaleiro e forcado vão só ao centro da arena agradecer ovações e pronto. E assim a corrida acabou era meia-noite. E noutros tempos passava muitas vezes da uma da manhã quando saíamos do Campo Pequeno. Afinal, há males que vêm por bem...

Triunfos de cavaleiros e forcados

No que ao desempenho de cavaleiros e forcados diz respeito, a noite foi também de triunfos e esses foram iguais aos de antigamente, sem regras a alterarem nada.
Os toiros de António Raul Brito Paes tiveram presença, excelente apresentação, comportamento desigual, mas foram nobres, impuseram respeitinho a sério, deram emoção, trouxeram à tona aquela que é a verdadeira essência, e foi sempre, do espectáculo tauromáquico, o risco, os ais na bancada, em suma, a verdade - que muitas vezes não existe. E ontem existiu.
De nota altíssima foi o quinto toiro. Lá diz a lei que "não há quinto mau" e não houve, Toiro bravo, a pedir contas, muito bem lidado por Bastinhas, a ter depois merecidas honrarias de volta à arena, que ninguém mais deu e só este toiro deu e depois veio o ganadeiro à praça, todos o aplaudiram, mas António Raul teve a humildade de sair aplaudindo o cavaleiro e o forcado. Ainda há Senhores na Festa.
Luis Rouxinol foi o campeão de sempre. Não há toiro que o vença e não há oponente que o destrone. Não sabe estar mal. E ontem, como sempre, esteve bem. Faltou o par de bandarilhas, que foi sempre a sua imagem de marca. Mas sobrou arte e emoção em duas lides a toiros que não foram fáceis. o público está sempre com ele e ele está sempre com o público. Com uma entrega, um valor e um profissionalismo que foram sempre apanágios de uma trajectória que continua a marcar toda a diferença.
Marcos Bastinhas é um fenómeno de popularidade como o foi seu pai. Segue à risca a linha que fez do eterno Joaquim Bastinhas um dos toureiros mais queridos deste país. Ontem protagonizou uma actuação brilhante - e de risco - no seu primeiro toiro, com temerárias entradas frontais e ferros de arrepiar, culminando com o par que galvanizou tudo e todos. No quinto da ordem, o toiro de bandeira da corrida, esteve enorme, ao seu estilo. O toiro não lhe deu tréguas e ele também não deu tréguas ao toiro. Noite brilhante, a reafirmar a temporada triunfal de 2019 e a deixar antever como seria esta, se tempos normais vivêssemos. Mas mesmo em tempos diferentes, com menos corridas, Bastinhas deixou antever a disposição de continuar a somar pontos e a marcar, como no ano passado marcou, uma nova página na sua notável carreira.
Duarte Pinto lidou dois toiros daqueles que assustam e assustaram toda a gente, menos ele. Brega correctíssima, cites frontais, arriscados, ousados, a bater o pito contrário, a tourear com a verdade e o risco com que há dois anos chegou a esta mesma praça e por fim se consagrou entre os primeiros. Linha clássica, toureio à antiga, tal pai tal filho e ontem fez-me lembrar tantas noites de glória que vi do Emídio Pinto no antigo Campo Pequeno. Lide empolgante no terceiro toiro da noite, magistral no último, com três ferros de poder a poder daqueles a que temos que tirar o chapéu. Assim se toureia!
Não foi fácil a noite para os valentes forcados dos grupos de Santarém e Lisboa, com toiros que não gostavam de ser pegados... Mas honraram, com valentia e valor, a nobre e tão portuguesa arte de pegar toiros, apesar de todas as dificuldades.
Foram caras pelos Amadores de Santarém os forcados Salvador Ribeiro de Almeida (à segunda), Joaquim Grave (à segunda) e António Queiroz e Melo (à terceira). Pelos Amadores de Lisboa pegaram Duarte Mira (à primeira), Vitor Epifânio (à segunda) e o heróico João Varanda (à quinta). 
Todos brindaram ao público e houve dois brindes especiais de cada grupo, um dos Amadores de Santarém ao seu antigo companheiro Diogo Durão, presidente da Associação Nacional de Grupos de Forcados e outro dos Amadores de Lisboa, como atrás referi, ao empresário Luis Miguel Pombeiro.
Dirigiu a corrida Tiago Tavares, com rigor, condescendência (no que às pegas diz respeito, sobretudo) e bom senso. Demorou nalguns casos a conceder música, mas o Campo Pequeno é o Campo Pequeno e a banda não pode tocar por dá cá aquele palha. Um ou outro "atraso" na concessão dessa honraria aos cavaleiros, mas de resto nada a apontar.
E para a semana há mais. Com Graves, a prometer outra noite dura e de muitas emoções.
Uma palavra final para ti, Luis Miguel Pombeiro. Apenas esta, que todos te devemos: Obrigado!

Fotos M. Alvarenga

Luis Rouxinol em terrenos de grande verdade!

Marcos Bastinhas: a emoção e o risco de um triunfador nato

Um ferro à antiga de Duarte Pinto, que ontem esteve magistral