Passado o tempo de “quarentena”, depois de ter testado positivo para a covid-19, bem como sua filha Maria, o empresário e apoderado José Manuel Ferreira Paulo (Cachapim) prepara-se agora para regressar amanhã a Portugal, depois de em Dezembro ter presidido, pela primeira vez, à Feira Taurina de Cali, na Colômbia. E foi dessa missão que nos falou esta manhã, via WhatsApp, desde Bogotá, fazendo um balanço dessa sua estreia como “director de corrida” na mais importante feira taurina da América Latina, cargo para que foi de novo convidado - mas ainda não aceitou.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Antes de mais, como vamos de covid? Já terminou o confinamento, já pode finalmente regressar?
- Pois, não sei onde apanhei, tive todos os cuidados aqui na Colômbia, mas a verdade é que quando estava para viajar para Portugal fiz o teste, obrigatório, e acusou positivo. E a minha filha Maria, que no fim do ano tinha vindo ter comigo à Colômbia, para irmos à Feira de Manizales, também acusou positivo. Resultado, ficámos os dois confinados no apartamento de um amigo em Bogotá, mas felizmente sem sintomas nenhuns. Digamos que foram… umas férias forçadas! Neste momento já estamos os dois negativos e amanhã penso que já podemos viajar para Madrid e de Madrid para Lisboa.
- Entretanto, foi de novo convidado a presidir este ano, em Dezembro outra vez, à próxima Feira de Cali. O que significa que gostaram do seu trabalho.
- Sim. Só depois de cá chegar é que entendi melhor como fui convidado. A proposta para eu presidir à Feira de Cali partiu da Sociedade Praça de Toiros de Cali, que a apresentou à Junta Técnica e posteriormente, depois de aprovada, à empresa Tauroemoción, que deu o seu consentimento. Foram estas três entidades as responsáveis pelo convite que me foi feito e que, como já referi anteriormente, muito me honrou. Eu não conhecia ninguém, nunca tinha falado com o empresário Alberto García. Tivemos uma primeira reunião no dia 17, quando cheguei, reunião essa com os proprietários da praça, com a Junta Técnica e com o empresário. E falei-lhes dos meus objectivos, disse que conhecia o esplendor da praça de toiros de Cali, que estava ao par de todas as pressões feitas pelos anti-taurinos, incluindo o alcalde da cidade e que era preciso abrir horizontes, sem beliscar o prestígio da praça, mas contribuindo para que os espectáculos resultassem, as pessoas saíssem contentes e com vontade de voltar. E foi o que aconteceu. Não podemos esquecer que na Colômbia mais de 80 praças de província estão fechadas, a de Medellín encerrou e destruíram os curros, a de Bogotá está também encerrada. Por isso, era preciso fazer alguma coisa para que as pessoas voltassem aos toiros em Cali. Penso que cumpri com os meus objectivos, eles também gostaram do meu trabalho e a verdade é que me convidaram para presidir de novo à Feira de Cali em Dezembro deste ano de 2022.
- Em suma, um bom desempenho da sua parte e um novo convite que muito honram também a aficion portuguesa.
- Penso que mais do que um convite que me honra a mim, é, como diz, um convite que honra a aficion portuguesa em primeiro lugar. Presidir à Feira de Cali significou ocupar um lugar que nunca foi ocupado por nenhum português, numa praça de primeira, na maior feira taurina da América do Sul. Depois, a parte do meu orgulho pessoal, do meu “gozo” de ter estado na presidência, são coisas que ficam para mim. Nasci no mundo dos toiros, tenho 61 anos, levo 44 de empresário e apoderado, por isso esta nova experiência foi para mim como que uma cereja em cima do bolo…
- Foi difícil presidir às corridas de uma feira com essa importância?
- Difícil não direi. Ia bem preparado, tinha estudado a fundo o Regulamento Taurino colombiano, que é obviamente diferente do nosso, levava resumos, um guião geral com anotações para consulta rápida e as coisas correrem na perfeição.
- Mesmo assim, houve corridas em que saíu da praça escoltado pela Polícia…
- Relativamente às escoltas, tenho que reconhecer que não é normal… Aconteceu na primeira corrida, porque não dei uma orelha a um novilheiro que tinha levado duas ou três voltaretas e passara a tarde toda de joelhos a “jogar ao boxe” com o toiro e eu estou ali para presidir a uma corrida de toiros, não a “combates de boxe”… Por essa razão não concedi a orelha. E no segundo dia, saíu um toiro com cãibras, eu não o substitui e o ambiente alterou-se um pouco. Esperei, o Regulamento prevê que se possa esperar até ao terceiro par de bandarilhas. Depois de picado, de bandarilhado, aguentei, o toiro não caíu, a única vez que caíu foi quando “esbarrou” com o cavalo e o picador aproveitou e deu-lhe uma “varada” na espádua quando estava no chão, um pouco para o diminuir. Os bandarilheiros passaram imensas vezes pelo toiro para lhe pôr as bandarilhas, levou alguns cinquenta capotazos, o toiro nunca caíu na faena de muleta. Aquilo que o toiro tinha e veio a provar-se foi um “cornovírus” da parte do toureiro, só que eu não tenho lá em cima um lenço para poder trocar de toureiro e para o substituir um toureiro de valor para se pôr na frente do toiro com “um par de cornos grande”. O toiro não teve um toureiro à altura e as pessoas insurgiram-se por eu não ter mudado o toiro. Há aqui que realçar um pormenor, é que as corridas aqui são relatadas e quem falava na única rádio principal, a nível nacional, era uma equipa liderada pela grande figura do toureio e grande ganadeiro que é César Rincón… e o toiro era dele. Ele defendeu, obviamente, o toiro, defendeu também a carteira dele e incentivou as pessoas a protestarem porque considerava que eu devia substituir o toiro, assim ele vendia mais um toiro… Foi a posição dele, eu aguentei-me e a minha posição manteve-se intacta até ao fim, razão pela qual saí da praça protegido pelos Ninjas (força especial da Polícia), que estavam a proteger os anti-taurinos e foram chamados para me escoltar. E a partir daí a o Corpo de Segurança da praça de toiros decidiu que em todas as corridas eu seria escoltado até ao meu carro e os agentes da Polícia só me abandonavam assim que eu arrancava. Não foi uma decisão minha, foi uma decisão do Corpo de Segurança da praça de toiros. Não é uma situação normal, mas aconteceu…
- Houve outros episódios curiosos que nos queira recordar?
- Houve vários. Eu tinha acordado, como disse anteriormente, com os proprietários da praça, com a Junta Técnica e com a empresa, que tudo faria para que as pessoas saíssem satisfeitas da praça em todas as corridas. Sinto que não dei nenhuma orelha, não ofereci nenhum orelha, nem fiquei a dever nenhuma orelha a nenhum toureiro, nem nenhuma volta ao ruedo a nenhum ganadero. Aconteceu de tudo. Desde toiros vivos ao curral, tive que tocar três vezes um aviso, desde toiros substituídos, houve três substituídos na mesma corrida, desde indultos, orelhas, rabo, que há 55 anos não se dava um rabo nesta praça, eu entendi que o Emílio de Justo e a sua faena ao toiro de Victorino Martín era merecedora de tal. Tudo é discutível, mas a verdade é que na praça ninguém protestou e toda a gente aceitou a situação. Uma coisa engraçada: o António Ferrera, de quem sou amigo e que conheço desde pequenino, desde que começou nisto, desde os seus 6, 7 anos, toureou pela direita, a faena ia embalada e eu senti, na minha maneira de ver, que o toiro ia servir e decidi mandar tocar a música quando ele deu o primeiro “natural”. Ele mandou calar a música, obviamente que a música não parou, ele foi contratado para tourear, não foi contratado para ser maestro da banda… O maestro da banda estava lá no seu sítio próprio, quem mandou tocar a música fui eu, por isso não tirei o lenço e não deixei parar a música. São incidências para as quais temos que estar preparado, mas o presidente sou eu, quem dá ordens sou eu, é a minha função, os toureiros estão habituados a mandar calar a música, mas isso ali não aconteceu! Os toureiros têm que fazer aquilo para que lhes pagam e não se meterem no resto, porque quando eles fogem do toiro e se recusam a tourear, eu também não os obrigo a tourear. Estou ali para os julgar e para julgar o que fazem enquanto toureiros. E mais nada.
- E a crítica, como se portou consigo?
- Se reparar nos titulares das crónicas, ninguém disse nada de mal, ninguém se meteu comigo, podem discutir uma coisa ou outra, mas isto é um espectáculo público, opiniões, gostos, cores e modas, cada um é livre de partilhar as que mais gosta, de ter a sua opinião. Mas todos foram unânimes em considerar que esta foi uma grande feira e uma das melhores feiras dos últimos anos, com uma boa apresentação dos toiros, aliás, duas corridas foram vistas no mundo inteiro através do Canal Toros, acho que dignificámos a Festa e, segundo a crítica, a corrida dos Victorinos foi a Corrida do Século da América Latina. Eu até me atrevo a dizer que se não foi a do Século a nível mundial, porque ainda falta muito tempo para o milénio, foi uma das cinco ou dez corridas mais importantes do Século! E isso honra-me a mim, como português acima de tudo, porque no fundo um português estar neste sítio e ter estas vivências, como já disse, é um gozo como aficionado. Mas os meus êxitos e os meus fracassos costumo festejá-los sózinho e beber uma cerveja depois para descarregar toda essa pressão. E foi a única coisa que fiz: beber uma cerveja e ir jantar a um sítio bom no final da feira.
- A sua filha foi ter consigo no final do ano, não foi?
- A minha filha Maria veio ter comigo à Colômbia no dia 26, ainda assistiu a quatro corridas. Quando eu saía do palco presidencial, ela vinha sempre atrás de mim, ali atrás das escoltas, no meio dos polícias e depois da última corrida eu disse-lhe que esta feira correu tão bem, esta corrida foi um êxito tão grande, foi um fecho da feira com chave de ouro, que eu penso que é uma situação que não volto a repetir!
- E agora regressa em 2022...
- Posteriormente, dois dias depois, surgiu o convite da empresa para voltar a presidir à feira este ano, disseram que contavam comigo, eu disse que ainda era cedo, que ia ponderar, que ia pensar se voltava a presidir. À Colômbia já vou há 34 anos, é o meu segundo país, eu costumo dizer em casa que se um dia morrer na Colômbia, quero cá ficar, quero que as minhas cinzas fiquem cá… Portanto, à Colômbia hei-de voltar! Quanto à presidência da feira em 2022, decidirei no tempo certo, ainda não decidi…
- Voltando ao facto de ter apanhado covid, assustou-se, ainda para mais estando num país que não é o seu?…
- Como disse, não faço ideia onde apanhei. Tomei todas as precauções... mas aconteceu. A minha filha viajava antes de mim para Portugal, fez o teste e acusou positivo. A seguir eu fiz o teste e também deu positivo. Viémos então para o apartamento de uns amigos em Bogotá, onde estivemos isolados a fazer a quarentena, agora fizemos outros testes, estivemos sempre assintomáticos, estamos a tentar tudo para conseguir partir amanhã. Resumindo e concluindo, o covid foi “uma voltareta”, não tivemos quaisquer sintomas, já passou, estamos preparados para outra!
- E mal chegue a Portugal, o que vai fazer?
- Vou fazer o que já comecei, aliás, a fazer aqui, através de vários contactos, Vou tratar do que está alinhavado para o João Salgueiro da Costa, toureiro que, como sabem, apodero. Vou ser rápido: em 2021 jogámos para entrar directos na Final da Champions e posso garantir que o espírito dele e o espírito de toda a nossa equipa é em 2022 jogar essa final e ganhar!
Fotos D.R.