segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Zafra foi "uma casa portuguesa, concerteza"!

Miguel Alvarenga - Zafra voltou neste fim-de-semana a ser "uma casa portuguesa, concerteza", fruto da aposta que todos os anos o dinâmico empresário Joaquín Domínguez (desde há uns anos com um braço-direito muito especial, seu filho Carlos - a quem o matador Juan Ortega brindou a sua primeira faena) faz nos artistas e nos aficionados de Portugal, montando atractivos cartéis que entusiasmam a aficion lusitana a passear a fronteira e ir a esta praça, pese embora o facto (lamentável) de ser uma das mais incómodas do mundo.

No sábado, triunfou ali o cavaleiro Rui Fernandes e o rejoneador Diego Ventura, bem como os forcados de Lisboa e do Aposento da Moita, tendo completado o cartel Leonardo Hernández, que teve o azar de perder um cavalo, vítima de colhida. Os toiros eram da ganadaria portuguesa de Maria Guiomar Cortes de Moura.

Ontem, domingo, lidavam-se seis toiros da também portuguesa ganadaria de Manuel Calejo Pires, já com provas dadas no país vizinho, sobretudo em novilhadas, que lidava pela primeira vez um curro num cartel de primeiríssimas figuras. A expectativa era muita e a presença de ilustres aficionados nacionais era notória nas bancadas da praça e, antes da corrida, nos restaurantes e bares das redondezas. Falou-se português em Zafra.

A praça, que no sábado registara uma muito agradável entrada de três quartos de casa, ontem estava cheia, não esgotada, mas cheia.

Os toiros de Calejo Pires tiveram nota alta, com excelente apresentação, com cara, mobilidade e claras intenções de proporcionar o triunfo aos toureiros. Não houve um toiro que não servisse. Também não houve um toiro premiado com volta à arena, mas a realidade é que os seis tiveram raça, o primeiro foi muito bom e Morante toureou-o notavelmente, cortando-lhe as duas orelhas, era o nº 13, cuja cabeça vai ficar embalsamada na praça de Zafra, bonito gesto do empresário Joaquín Domínguez em reconhecimento pelo triunfo da ganadaria neste debute na sua praça.

O segundo toiro foi bom, Juan Ortega esteve artista e templado, desenhou uma bonita faena, mas depois perdeu os troféus com a espada. De nota alta foi igualmente o terceiro da tarde, com o qual também José Garrido esteve em muito bom plano, cortando as duas orelhas. Menos bom foi o quarto toiro, que Morante mais ou menos despachou, sem bronca, com algumas palmas até, pela sua entrega e pela sua vontade. O quinto serviu para Juan Ortega voltar a desenhar uma faena de muito bom gosto, desta vez menos azarado com a espada e premiado com uma orelha. E o sexto foi também um toiro de excelente comportamento e boas investidas, a que Garrido cortou mais uma orelha.

Foram cortadas seis orelhas aos bons toiros de Calejo Pires, que bem podiam ter sido nove, como escreveu o ganadeiro Francisco, caso os matadores que as perderam tivessem estado mais certinhos com a espada. Mas, em suma, foi um êxito importante e marcante que fica, certamente, como um marco na história e na trajectória desta ganadaria recente, mas já laureada e premiada com notáveis triunfos em Portugal e também em Espanha.

A super-desconfortável praça de Zafra estava a rebentar pelas costuras. Tínhamos atrás uns espanhóis que só por pouco não estavam às nossas cavalitas e à frente um grupo de simpáticos portugueses a cujas cavalitas estávamos quase nós... Se de repente houvesse ali uma qualquer situação de pânico, não sei como seria...

Bom, adiante.

Temia-se pela presença de Morante, colhido na véspera em Úbeda, mas ele estava lá. Sorrindo, fumando. O toureiro local José Garrido foi o eleito pelo empresário Domínguez para substituir o lesionado Emílio de Justo, vítima de brutal colhida na sexta-feira em Las Ventas que o obrigou a cortar a temporada europeia. Toureiro de valor, já com provas dadas em praças portugueses, incluindo na do Campo Pequeno, José Garrido está agora meio na prateleira, não se percebe porquê, afastado dos grandes circuitos taurinos e das principais feiras. Fez bem Domínguez em dar-lhe esta oportunidade. Garrido aproveitou-a com todas as forças, demonstrou que, mesmo parado, continua em excelente forma. Um bom toureiro nunca deixa de ser um bom toureiro. Raça e casta, valor e arte foi o que demonstrou nas duas faenas. Cortou duas merecidas orelhas no terceiro toiro da corrida e mais uma no último, saindo muito meritoriamente em ombros com Morante.

O Génio de La Puebla deu uma lição magistral no primeiro toiro da corrida. Tudo o que ele faz, faz bem. E até dá a impressão, que é capaz de ser uma verdadeira realidade, de que faz de maneira diferente de todos. Toureou divinalmente de capote e com a muleta abriu o livro e mostrou todas as vírgulas de um compêndio de sabedoria e de maestria. Brilhante. Cortou as duas orelhas.

O quarto toiro de Calejo Pires era mais tardo de investida e foi pouco claro, parado, meio complicado. Morante cedo percebeu que não tinha ali companheiro para conquistar mais orelhas. Abreviou, matou e agradeceu uma ovação nos médios. Não havia muito mais a fazer. Nos dois toiros, os seus bandarilheiros não estiveram brilhantes nesse tércio. Faz muita falta o valoroso João Ferreira... Com ele ali, a música tinha certamente sido outra.

Muito melhores os bandarilheiros de Ortega e de Garrido. No último toiro, desmonterou-se e agradeceu forte ovação um bandarilheiro de José Garrido.

Juan Ortega é um toureiro com alma. Artista, dominador, com raça e com classe. Esteve bem com o capote a tourear o segundo bom toiro de Calejo Pires e com a muleta desenhou uma faena de inspiração e bom gosto. Tinha a orelha, ou mesmo as orelhas, na mão, mas matou só à terceira e ali matar ou não matar é a questão...

O quinto toiro foi outro bom e bonito exemplar jabonero (branco) de Calejo Pires e Ortega empenhou-se para também sair em ombros. Esteve brilhante de capote e com a muleta frente a mais outro toiro bom da triunfadora ganadaria lusitana.

No meio da confusão não se percebeu a decisão do presidente da corrida. O público pediu insistentemente uma orelha e depois a outra. Cortaram as duas e foram duas que a simpática alguacila lhe entregou, mas Juan Ortega apressou-se a vir junto da trincheira entregar uma ao seu bandarilheiro. Vim depois a perceber que o presidente lhe outorgara uma só orelha, mas que tinham cortado as duas. Ou porque não entenderam. Ou para ver se passava... O presidente fez sinal para devolver uma e Ortega cumpriu. Deu a volta à arena com uma orelha, sob fortes aplausos (na realidade, tinha merecido as duas) e no fim saíu da praça pelo seu pé, enquanto Morante e Garrido eram levados em ombros.

Os picadores não abusaram e não mataram mais cedo os toiros, como tantas vezes acontece. O sexto toiro chegou mesmo a apear o picador de Garrido, sem derrubar o cavalo.

Ao início foi guardado um minuto de silêncio em memória de Guillermo Fernández Vara, ex-Presidente da Junta de Extremadura, falecido ontem.

Fotos M. Alvarenga

Já a seguir, não perca todas as fotos: os melhores momentos de Morante, Ortega e Garrido. E amanhã: Famosos em Zafra.