segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Zafra e a tarde em que "Juanito" podia ter mudado o rumo à Festa em Portugal




Se aos empresários que "mandam nisto" não fosse indiferente, como foi certamente, a tarde "bombástica" de "Juanito" este domingo em Zafra, acredito que a Festa pudesse ontem ter mudado em Portugal. Mas infelizmente vai tudo ficar como estava. Se isto fosse um país taurino a sério, depois do "estrondo" de "Juanito" ontem em Zafra, já os empresários nacionais se tinham fartado de ligar ao apoderado Joaquín Domínguez para negociar a contratação do toureiro para a próxima temporada. Se isto fosse um país taurino a sério e se os empresários de hoje tivessem a visão e o sentido, e a afición, que tinham os antigos, a esta hora já estavam a anunciar as corridas em que "Juanito" participaria em 2025, tão capaz que ele está de dar mesmo uma volta a sério a isto tudo. Mas, infelizmente, só um empresário (o da diferença) contratou estre ano "Juanito" para tourear no seu país. Foi Levesinho e a corrida é já no próximo domingo na "Palha Blanco". É assustadora e deveras preocupante a moleza e a falta de visão que (des)motiva os que "mandam nisto" e os leva a repetir sempre os mesmos cartéis, (des)contentando-se depois com um quarto das bancadas (mal) preenchido, quando, afinal, podiam ter montado um elenco diferente que lhes enchesse a praça. Dado o estado em que isto se encontra, não sei, sinceramente, se terá servido de alguma coisa a "Juanito" a tarde de imensa apoteose que viveu ontem em Zafra. Noutras circunstâncias e num tempo-outro, não duvido de que podia ter mudado de uma vez por todas o rumo ao sempre igual Portugalzinho das Toiradas, que já nem reais são...

Miguel Alvarenga - Sebastián Castella, o perfeccionista francês que ontem substituiu Roca Rey (lesionado num joelho na véspera em Sevilha) e que, assim, pela primeira vez toureou em Zafra, abrira a corrida com uma faena de grande técnica e poderio, perfeita em todos os aspectos, de classe e bom gosto, rematando com uma estocada certeira enorme que levou o presidente da corrida e premiá-lo muito justamente com a atribuição das duas orelhas do excelente toiro, como todos os que viriam a seguir, da ganadaria de Virgen María.

A seguir, Alejandro Talavante, que chegava a Zafra laureado com a glória de uma triunfal saída em ombros dias antes pela Porta do Príncipe em Sevilha, deixara na arena o perfume da sua arte e da sua sabedoria numa faena de muitos quilates que o público, vá lá a perceber-se esta lógica (ou a falta dela), premiou apenas com uma curtinha ovação nos médios por ter estado pesado e demorado a matar. 

Tem pouco, ou nenhum senso, esta realidade da corrida em Espanha: matar ou não matar, eis a questão, toureie-se bem ou mal. Talavante esteve enorme, matou mal, nem a volta à arena o incentivaram a dar. Tremenda injustiça, complicada (e difícil de entender) forma de se valorizar um toureiro no país vizinho. Matar ou não matar, eis a questão...

A seguir veio "Juanito" - o nosso matador. A razão de ser da presença de tantos portugueses ontem em Zafra.

Joelhos em terra. recebeu o toiro com uma "larga afarolada". E depois outra. E outra. E mais outra. E rematou a uma só mão, seguindo-se ainda mais umas pinceladas num variado e muito ousado tércio de capote. A praça veio a baixo. As bancadas pareciam um autêntico manicómio. Tudo aos gritos, tudo a gritar "torero!", um ambiente de verdadeira loucura e apoteose.

Os bandarilheiros espanhóis - com o nosso Pedro Noronha a líder superiormente e a colocar-lhes o toiro em sorte - preencheram um bom tércio de bandarilhas. E "Juanito" brindou a sua faena a Talavante, com quem se volta a encontrar no próximo dia 12 de Outubro em Fregenal de la Sierra na última corrida da sua temporada.

De novo de joelhos em terra, no meio da arena, esperou o toiro, que investiu com alegria para a sua muleta. Uma série de "derechazos", levanta-se e remata com um fabuloso passe de peito. A praça vem outra vez abaixo, toca a banda, "Juanito" mostra todos os seus argumentos num vasto e artístico repertório que vai entusiasmando portugueses e espanhóis. Nas bancadas, gritos de "bien" e muitos "ais" pela forma arriscada com que o toureiro ali joga a vida, como se não houvesse amanhã, sereno, tranquilo, sem mexer os pés, lidando, toureando, embelezando uma obra prima que cá em cima todos aplaudem e todos aclamam.

Uma estocada certeira, inteira, fulminante e a praça volta a explodir em alegria, em contentamento, e nós, os portugueses, numa infindável manifestação de regozijo e orgulho pela obra com que o nosso "Juanito" se acabara de sobrepor aos triunfos de dois dos maiores toureiros da actualidade.

Duas orelhas e o rabo, os máximos troféus, foram o corolário de uma tarde de consagração, de afirmação e de deixar no ar muitas questões pertinentes sobre os porquês da inércia de quem manda, ou pensa mandar, na tauromaquia lusitana. Mas já lá vamos a isso.

Segunda parte, se assim lhe podemos chamar, uma vez que em Espanha as corridas seguem sem intervalo, ainda bem que assim é, sem a pasmaceira e o cortar do ritmo com que as nossas touradas são paradas e começam outra vez depois de todos se terem cumprimentado nos corredores e bebido uns copos nos bares. 

Segundo parte com Castella de novo a tourear como os eleitos, como os deuses, faena bonita, mandona, de domínio total, a evidenciar um toureiro conhecedor, cheio de técnica, totalmente perfeccionista, sem espaventos, sem atitudes tremendistas, sério que nem Manolete, quieto, parado, mandão.

Desta vez matou à segunda e por isso concederam-lhe uma só orelha, a terceira. Injustiça da Fiesta à espanhola, depois de um brilharete que merecia mais. O público, esse, reconheceu mais esta fantástica faena de Sebastián Castella e aclamou o toureiro francês numa muito aplaudida volta ao ruedo.

O quinto toiro entrou na arena com muita pata e começou logo por assustar tudo e todos ao arrancar violentamente as tábuas da trincheira, só por sorte não entrando para dentro - o que poderia ter consequências graves, dada a imensa multidão que se encontrava entre tábuas (e falam de Portugal... aquilo parecia o Chiado em hora de ponta...).

Talavante não se intimidou com a violência do toiro de Virgen María, agarrou-o com pausadas e bonitas "verónicas", disposto a não sair dali a pé e a conquistar as duas orelhas que lhe permitiriam acompanhar Castella e "Juanito" na saída aos ombros (que eles já tinham assegurado, ele é que ainda não).

O tércio de bandarilhas foi bem preenchido pelos seus subalternos - ontem bandarilhou-se bem em Zafra e os tércios de varas, cada vez menos necessários, foram poupados e curtos para que os toiros não acabassem logo ali.

Alejandro Talavante impôs-se, com um bom toiro, arrimou-se, recriou-se e desenhou séries pelos dois lados - que o conclave ovacionou com grande entrega e entusiasmo ao bom labor do famoso matador. Faena variada e bonita, também mandona, uma estocada desta vez certeira, até ao punho - e lá vieram as duas merecidas orelhas que também lhe abriram a porta grande.

Era agora o último toiro e "Juanito" voltava com as ganas de repetir o triunfo estrondoso que alcançara no seu primeiro. Recebeu o sexto outra vez de joelhos em terra, com arrimadas e bonitas "verónicas", que voltou a rematar de pé a uma só mão. Público de novo em alvoroço. Seguiram-se cingidas "chicuelinas" depois da aparatosa queda do picador António Palomo, que a todos assustou mas que não teve, felizmente, qualquer consequências de maior.

O segundo tércio ficou marcado depois por grandes pares de bandarilhas do português Pedro Noronha e outro do bandarilheiro espanhol, agradecendo ambos uma fortíssima ovação desmonterados.

"Juanito" brinda a última faena precisamente a Pedro Noronha, companheiro que tem estado sempre a seu lado, na sua quadrilha, em todos os momentos. Brinde emotivo que os aficionados portugueses, em especial, aplaudiram com sonoras palmas.

O toiro não tinha propriamente a qualidade do seu primeiro, mas "Juanito" está em excelente forma e num momento de força inigualável, dá-lhe a volta, saca-lhe todo o partido, volta a arriscar, valoroso e ousado, com uma entrega profunda. Ouvem-se "olés" na bancada, outra vez suspiros de angústia quando o jovem toureiro mais se arrima e depois repetidos gritos de "bien" e de "torero".

A estocada não é tão fantástica como a primeira, mas o toiro dobra-se e cai, voltando o público a entrar em euforia e a pedir com força as duas orelhas. O presidente concede-lhe só uma, há alguma desilusão estampada no rosto de muitos dos aficionados portugueses que ali acorreram atrás da nova estrela, mas "Juanito" sorri, passeia mais um troféu com a sensação do dever cumprido e de ter dado mais uma tarde de alegria e, sobretudo, de esperança, aos que apoiam o toureio a pé - e a mudança - em terras de Portugal.

Apoteótica saída em ombros dos três matadores pela porta grande, depois de uma muito aplaudida volta à arena. Grande tarde!

E agora, pergunto: o que foi feito da aficion, de visão futura, da justiça e do respeito pelo público que os nossos empresários de hoje parecem não ter como tinham os de antigamente?

Como é possível que "Juanito", no momento em que se encontra, toureie uma só corrida no seu país nesta temporada, e já na recta final, numa das últimas corridas do ano, a do próximo domingo 6 de Outubro em Vila Franca

Como é possível que as nossas empresas, exceptuando a Tauroleve de Ricardo Levesinho, a única que este ano traz "Juanito" a Portugal, dispensem nas duas praças, nas suas feiras, um Toureiro como este, que certamente poderia revolucionar o morno ambiente da pasmaceira que normalmente rodeia as nossas touradas e sem dúvida que poderia dar um importante e decisivo contributo para alterar o rumo desta nossa alegre e muitas vezes patética Festarola?...

Santarém trouxe Roca Rey (esgotou), a Nazaré trouxe Borja Jiménez com o promissor Tomás Bastos (encheu até às bandeiras), a Moita trouxe Emílio de Justo (a substituir Morante) em competição com o nosso "Cuqui" (que brilhou em grande!), a Chamusca trouxe Ferrera e no início da temporada vieram matadores aos festivais de Mourão e de Sobral de Monte Agraço, não esquecendo a Ilha Terceira, onde sempre há corridas mistas ou só de matadores- mas não acham os nossos empresários que "Juanito" faz falta a qualquer destas praças e a qualquer destas competições? Podem-no dispensar com toda essa preocupante falta de visão, em nome da valorização das touradas de cavaleiros e forcados que, salvo raríssimas - raríssimas, mesmo! - excepções, são sempre mais do mesmo, vira o disco e toca a mesma música?...

Mas depois, é muito importante que se diga, há sempre a incerteza do comportamento do estranhíssimo público português. Umas vezes vai à praça, outras fica em casa. Nunca se sabe o que está reservado para o risco corrido pelos empresários. 

Noutros tempos - e eram mesmo outros tempos... -, João Moura esgotava todas as praças em que seu nome se anunciava. Pedrito de Portugal arrastava legiões de aficionados a todas as praças. Será que o cenário voltaria a repetir-se agora com "Juanito"? Não sabemos. Mas, a atestar pela loucura a que assisti ontem em Zafra, não duvido de que, se tem acontecido em Lisboa, poderia mudar-se o rumo da nossa Festa num instante.

Da nossa e da deles - "Juanito" já tinha que estar em feiras como as de Olivença, Badajoz, Sevilha, Madrid e tantas mais. Estava lá ontem o todo-poderoso Simón Casas, que não acredito que tenha ficado indiferente ao "bombazo" do nosso matador.

Resta-nos aguardar pacientemente. Para ver se isto continua tudo como estava. Ou se algum outro empresário, e não apenas Levesinho, sabe marcar a diferença e fazer alguma coisa de novo, e não sempre mais do mesmo, para que a Festa não acabe tão depressa no Reino de Portugal. Que, taurinamente falando, é desde ontem o Reino de João Silva "Juanito".

Fotos M. Alvarenga

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