domingo, 29 de junho de 2025

Eram tão diferentes as noites de São Pedro no Montijo...

Miguel Alvarenga - Esta corrida das Festas de São Pedro no Montijo, que ontem se realizou na Monumental "Amadeu Augusto dos Santos" sem a casa cheia de outros tempos, era a data grande desta praça, a corrida tradicional. Tantas e tantas vezes me lembro de ir na quinta-feira ao Campo Pequeno e na sexta ao Montijo, nesta corrida de São Pedro. Sempre com cartéis variados de três cavaleiros, onde por norma pontificavam os nomes de Batista, VeigaMoura, Zoio, Domecq, Vidrié, Caetano, Telles, Manuel Jorge de Oliveira, Bastinhas, Salvador, Salgueiro e outros mais. Havia figuras que arrastavam público às bancadas, havia competição e os cavaleiros toureavam cada qual de sua maneira, rivalizavam cada qual com sua obra, distinta das dos outros. Íamos ver actuações completamente diferentes, rivalidade e luta pelo triunfo. 

Eram tempos-outros... que não voltam mais. Hoje, não me canso de lamentar, toureiam (quase) todos da mesma maneira, ver este ou aquele ou o outro é ver sempre a mesma coisa. Chateia. Farta. E o público, às vezes (qualquer dia, será sempre e não só às vezes), manifesta-se assim: deixa as praças com as bancadas preenchidas pela metade...

O cartel de ontem à noite era bom. Vulgar, mas bom. E vulgar porquê? Porque não é fácil neste momento inovar, criar um cartel invulgar ou que não seja, pelo menos, demasiado vulgar. Baralham-as as cartas e os toureiros são sempre os mesmos. Podem-se arejar os cartéis com um ou dois novos nomes. Mas de resto, fica sempre tudo como estava. Igual ao que tínhamos visto antes e ao que vamos voltar a ver a seguir...

No regresso a casa, comentava isso mesmo com o Paco Duarte - foi bom ter vindo ao Montijo, mas se tenho ficado em casa era igual. Não vimos uma corrida fora do normal, passou-se pouca coisa diferente do que se costuma passar...

Miguel Moura, Luis Rouxinol Júnior e António Telles filho eram os cavaleiros da corrida de ontem na Monumental do Montijo. As bancadas não encheram, pode dizer-se que os três conseguiram preencher meia casa. A noite de São Pedro de outros tempos tinha uma moldura diferente...

Os novos empresários Jorge Dias e Samuel Silva (Toiros com Arte) anunciavam toiros da temida ganadaria Fontembro, de José Salvador. Para muitos, eram uma incógnita. Trata-se de uma ganadaria de formação recente, em fase de modificação. Foi introduzido um novo semental, que começa agora a dar os seus frutos. Bons. Uma ganadaria no bom caminho. Pelo menos, no caminho da verdade e da seriedade. Não são toiros cómodos daqueles que incomodam apenas a paciência e o rigor de um aficionado que se preze. Estes são toiros a sério.

Os seis toiros de ontem, de diferente apresentação, uns a impor maior respeito e com mais trapio, melhor presença, outros mais insignificantes, mas na generalidade com transmissão e com qualidade, alguns a pedirem o bilhete de identidade aos toureiros e aos forcados, na generalidade com teclas e a exigirem contas, evidenciando seriedade e bravura em alguns casos (o primeiro foi um toiro extraordinário) - foram toiros que permitiram uma excelente noite aos aficionados que enchiam, como disse, metade da lotação da Monumental do Montijo

A corrida começou às dez da noite e terminou perto da uma e meia. Foi demasiado demorada e isso ficou a dever-se, na segunda parte, às dificuldades causadas pelos quarto e quinto toiros aos dois primeiros grupos de forcados (Amadores da Moita Tertúlia do Montijo), formações locais menos rodadas e menos experientes para enfrentar Fontembros deste calibre... mas com valor de sobra para lá ir as vezes que foram precisas sem nunca virarem a cara.

Os três cavaleiros escutaram música, foram reconhecidos com calorosos aplausos e deram nos seis toiros as respectivas e merecidas voltas à arena - o que, só por si, significa que a corrida foi animada, o público divertiu-se, não foi maçadora, apesar de se ter arrastado por três longas horas e meia, incluindo um desnecessário intervalo de dez minutos...

Miguel Moura lidou com a arte da casa, cravou nos dois toiros ferros perfeitos, em sortes bem desenhadas e com brega de muito bom gosto e saber, excedeu-se em arrojados remates "de casaca aberta, a dar o peito às balas", ladeou a dois palmos do toiro, criou o habitual alvoroço nas bancadas, todos a aplaudir, ele a sorrir, sorriso de triunfo. Destaque para o facto de ter brindado a segunda lide a Luis Rouxinol (pai), cavaleiro emblemático desta praça e deste público.

Luis Rouxinol Júnior andou desenvolto e ousado, como sempre, frente a dois toiros que pediam contas e impunham respeito. Jogava em casa, mas isso não foi sinónimo de se sentir facilitado ou mais aconchegado ou acomodado que os companheiros. Rouxinol tinha a sua gente a acarinhá-lo, mas "foi à guerra" com a raça com que vai em qualquer praça, deu a cara, pôs verdade e emoção em todas as sortes, aqueceu ainda mais esta quente noite de Verão com a sua garra e a sua alegria contagiante. Duas actuações notáveis.

António Ribeiro Telles filho reafirma-se de corrida em corrida e é um dos cavaleiros que está a marcar a temporada pela regularidade e pelo muito esplendor dos seus importantes triunfos. Como já tinha acontecido em Santarém, não se limitou António a pôr ferros nos toiros - foi bem mais longe, toureou-os com a classe e a intuição com que se tem vindo a revelar. No primeiro do seu lote andou bem e acertado, mas na fase final deixou dois ferros no chão e isso retirou algum brilho ao imenso brio da sua bem conseguida lide.

No último toiro da noite, um Fontembro daqueles que assustam, alcançou o novo António Telles o maior triunfo da corrida. Lide perfeita, de muito bom gosto em todos os pormenores, a lidar e a tourear com elevado aprumo e a rematar as sortes com muita arte, demonstrando grande poderio e imensa segurança e tranquilidade. Está um Toureiro o António! E, uma vez mais, o meu respeitoso aplauso para as intervenções do veterano João Ribeiro "Curro", sobretudo na brega e cuidada preparação dos toiros para os forcados.

Nota alta, aliás, para os seis bons bandarilheiros que ontem se exibiram frente aos duros e sérios toiros de Fontembro - o já referido "Curro", grande, diferente, poderoso, um Maestro!; Jorge Alegrias, João Bretes, Ricardo Alves, João Martins e Fernando Fetal.

Os Forcados Amadores da Moita, da Tertúlia Tauromáquica do Montijo e Amadores do Montijo pegaram os três primeiros toiros ao primeiro intento, respectivamente, com valorosas intervenções de João Pedro Pombinho (Moita), Luis Carrilho (cabo dos Amadores da Tertúlia) e José Pedro Suissas (cabo dos Amadores do Montijo), com boas ajudas dos companheiros.

Na segunda parte, a coisa mudou de figura para os dois primeiros grupos. O moitense João César pegou o quarto toiro à terceira, com muito pouco eficientes ajudas dos companheiros; o quinto toiro não chegou a ser pegado pelos Amadores da Tertúlia depois de três tentativas de Jorge Mourão, mais duas de outros dois forcados, tendo todos recolhido à enfermaria, mais uma tentativa do cabo Luis Carrilho com outro elemento para tentar salvar honra do convento com uma cernelha que não se chegou a efectivar; por fim, Ricardo Parracho, dos Amadores do Montijo, pegou o último toiro à primeira, saindo este grupo como triunfador-maior no campo das pegas.

A corrida foi dirigida com eficiência pelo novo director Ruben Fragoso, que esteve ontem assessorado pelo reputado médico veterinário Jorge Moreira da Silva

No camarote, assistiu Ilídio Massacote, Provedor da Santa Casa da Misericórdia, que foi brindado pelo cabo dos Amadores do Montijo, José Pedro Suissas. Já Luis Carrilho, cabo do Grupo da Tertúlia Tauromáquica do Montijo, dedicou a sua brilhante pega a Francisco Macedo, Presidente da Associação Nacional de Grupos de Forcados e também da Federação PróToiro.

Eram diferentes as noites de São Pedro no Montijo... mas os tempos mudam...

Fotos M. Alvarenga


Miguel Moura

Luis Rouxinol Jr.

António Telles filho