terça-feira, 3 de novembro de 2020

2020, Odisseia nas Arenas: o ano de todos os perigos

Podia ter eleito muitas outras fotos, de triunfos e de
triunfadores, como é habitual em todos os balanços
das temporadas. Mas optei apenas por esta, bem
significativa do que foi - e da diferença que teve - esta
atípica e estranha temporada tauromáquica. O ano de
todos os perigos. Que promete continuar a sê-lo ainda
nos primeiros meses do ano que aí vem. A pandemia 
está para durar

Breve análise, não propriamente um balanço exaustivo, de uma também breve, mas significativa, temporada tauromáquica. Atípica, diferente, estranhíssima - mas que existiu, foi uma realidade, quando todos imaginavam que o não seria. Não houve quase mais nada, nem concertos, nem público no futebol, nem feiras e romarias, nem bares, nem discotecas, nem outros grandes espectáculos - mas houve touradas, quase cinquenta. E houve sobretudo civismo por parte do público aficionado, houve exemplo, cumprimento das regras da "nova realidade", tudo decorreu sem problemas e com a permanente vigilância da IGAC nas praças. Não nos podemos queixar minimamente. Mais a mais, fomos o único país onde a Festa Brava conseguiu, com todas as restrições mas conseguiu, demonstrar o seu esplendor e a sua força. O Campo Pequeno foi a única praça de primeira e de referência no mundo que deu temporada, quando Madrid, Sevilha e a maioria das outras estiveram de portas fechadas. As praças estiveram "a meia haste", apenas com 50% das lotações preenchidas (nalgumas, até menos), mas o público respondeu à chamada e marcou presença, marcando também de forma significativa a vitalidade do sector. Foi importante, apesar de tudo

Miguel Alvarenga - Mesmo consciente de que não será nunca bom para todos, sobretudo para os ganadeiros e para os artistas, há muito tempo que defendo que se deveriam realizar menos touradas por ano. E dou sempre o mesmo exemplo: Júlio Iglésias, ou Roberto Carlos, ou outros como eles, cantam em Portugal de anos a anos e dão um único concerto - que esgota sempre. Se andassem a cantar permanentemente em todas as freguesias do país, como os toureiros andam a tourear, o público cansava-se de os ver. E os recintos não enchiam.

Cá no burgo, as praças são coladas umas às outras e os toureiros são sempre os mesmos. Continuam a faltar ídolos como o foram no seu tempo Manuel dos Santos, Diamantino Viseu, João Núncio, Simão da Veiga, José Mestre Batista e Luis Miguel da Veiga, Ricardo Chibanga e mais tarde João Moura e Pedrito de Portugal, entre outros.

Há anos também que critico o facto de as trincheiras das praças de toiros mais parecerem o Metropolitano de Lisboa em hora de ponta. O tempo infindável das corridas era também, desde o ano passado, tema de estudos e discussões, andavam todos preocupados em eliminar os tempos mortos e reduzir as longas três ou mais horas que costumava durar uma tourada.

A pandemia encarregou-se de pôr tudo en su sítio. Houve menos corridas de toiros - as necessárias e suficientes. Nas trincheiras esteve só quem devia estar. Deixaram de por lá pulular os presunçosos, os primos, afilhados e simples amigos dos artistas intervenientes. E as touradas foram muito menos demoradas, sem as pomposas cortesias de outros tempos e sem as exaustivas e tantas vezes injustificadas voltas à arena. Há males que vêm por bem...

Pombeiro, o herói da temporada

O ano começou cheio de incertezas sobre o Campo Pequeno. A primeira pandemia, salvo seja, que alarmou os aficionados, chamou-se Álvaro Covões. O famoso empresário do mundo da música e dos concertos e festivais, assumiu as rédeas da empresa da primeira praça do país, assustou todos quando afirmou que os toiros não eram o seu negócio e mais ainda quando decidiu não reconduzir Rui Bento, depois de um trabalho brilhante ao longo de catorze anos a organizar as temporadas.

Acabaram-se as touradas em Lisboa - pensou todo o mundo. O festival do Dia da Tauromaquia, a 29 de Fevereiro, dois dias antes de decretada a chegada do vírus chinês (a oito meses de distância, podemos hoje concluir que a sua realização foi uma inconsciência e um risco tremendo para todos, mas enfim...), foi uma verdadeira manifestação da nossa afirmação enquanto aficionados, mas sobretudo dos nossos receios e ansiedades. No final, os toureiros deram uma volta à arena com um cartaz em que deixaram bem claro que "esta é a nossa casa". Mas sem saber ainda se ia continuar a sê-lo.

Voltaram a existir incertezas quando o Governo - que chegou a ser acusado de estar a discriminar o sector tauromáquico - tardou em dar luz verde à realização das corridas de toiros, mas também isso acabou por ser depois ultrapassado. Luis Miguel Pombeiro - e, estranhamente, não a PróToiro, como lhe competia - foi o grande obreiro da elaboração da longa lista de medidas de restrição e prevenção do contágio da covid-19 que depois foram apresentadas à DGS e à IGAC e que permitiram num tempo recorde que o Governo desse a volta ao impasse em que tudo estava - e que depois prevaleceram ao longo da temporada em todas as praças.

Houve ainda o episódio de breves minutos numa manhã de Junho de três cavaleiros (António Telles, Luis Rouxinol e Rui Fernandes) e um antigo forcado (José Luis Gomes) acorrentados à porta principal do Campo Pequeno em protesto pelo receio de que o Governo continuasse a discriminar o sector (acto mediático e que demorou apenas o tempo suficiente para que a TVI registasse umas imagens para os telejornais...) e depois houve também uma manifestação de toureiros e aficionados às portas do mesmo Campo Pequeno e ainda algumas movimentações - mais ou menos secretas - de um grupo de cavaleiros que pretendiam marcar uma posição e liderar um processo que acabou por ser desnecessário porque tudo se recompôs e a temporada acabou por ir em frente.

Álvaro Covões tranquilizou tudo e todos quando finalmente anunciou um concurso para adjudicar as datas das corridas a realizar no Campo Pequeno. Foi duas vezes adiado pelas constantes imposições do Estado de Emergência, mas acabou por realizar-se - com apenas três empresas candidatas.

Venceu Luis Miguel Pombeiro, quando tinha já vencido antes, mal foi anunciado o desconfinamento, a vontade de ir em frente e transformar em realidade a temporada que todos pensavam impossível. Antes mesmo de saber que ganhava o Campo Pequeno, tinha já anunciado a primeira corrida a nível mundial e dentro de todas as restrições, para 11 de Julho em Estremoz.

Foi o único a chegar-se à frente, quando todos tinham recuado e muitos haviam mesmo cancelado as programações que tinham anunciado para as suas praças. Pombeiro foi o exemplo, a mola impulsionadora. E voltou depois a sê-lo pela forma rigorosa e super cautelosa com que levou as suas organizações por diante, cumprindo e fazendo cumprir escrupulosamente todas as normas de segurança impostas pela DGS e pela IGAC.

A temporada lisboeta foi a temporada possível. Houve erros - aponto e apontei um único, aquele cartel mais banal de seis cavaleiros que foi o que chamou menos público - e omissões, nomeadamente a não contratação de alguns toureiros que fizeram falta, mas reconheço que em seis corridas era impossível encaixar todos. E, feitas as contas, é justo reconhecer e concluir que Pombeiro levou o barco a bom porto. E, acima de tudo, mexeu com a Festa, não a deixou esquecida num ano atípico em que à partida se pensava que nada ia acontecer.

Levesinho e outros que marcaram

O passo em frente e o corajoso e decisivo pontapé de saída de Luis Miguel Pombeiro acabou por encorajar outros empresários. E aos poucos, e ainda que em alguns casos a medo, a temporada foi tomando forma.

Ricardo Levesinho foi também um empresário que marcou - com a realização das Feiras da Moita e de Outubro em Vila Franca e também com as duas corridas na Figueira da Foz e uma na Chamusca, com cartéis apelativos e bem rematados, contribuindo igualmente para o sucesso de um ano que foi diferente - mas que acabou por ser positivo e bem demonstrativo do fulgor do sector.

A empresa Toiros & Tauromaquia, que realizara a 7 de Março um festival taurino já em tempos de pandemia, deu duas corridas na Feira de Alcochete e uma em Reguengos de Monsaraz

Santarém, que cancelara as três corridas inicialmente anunciadas, acabou por ser palco em finais de Setembro de uma das maiores corridas da temporada. Coruche deu duas corridas em Agosto com formatos distintos do habitual, só com quatro toiros, mas mais valeu isso que nada - não critico os quatro toiros, antes pelo contrário.

Caldas, Cartaxo e Évora deram apenas uma corrida cada, mas as três importantes, embora para as duas últimas praças chegassem a estar anunciados espectáculos para o último fim-de-semana, cancelados pela proibição de circular entre concelhos. A praça da Azambuja foi também palco de duas corridas - ambas com recordado sucesso.

Rui Bento levou a efeito duas corridas na Nazaré e uma televisionada em Almeirim, pela primeira vez por sua conta e risco, depois de ter saído do Campo Pequeno e com o apoio importante e louvável do empresário António Nunes - e teve ainda um papel destacado como apoderado conseguindo que os seus três cavaleiros - Moura Jr. e os Rouxinóis - totalizassem 22 espectáculos, número que é quase metade das corridas que se realizaram e expressa bem o seu brilhante desempenho e a força dos seus três cavaleiros.

Houve corridas noutras praças e é também de toda a justiça destacar as duas que o novo empresário José Gonçalves levou a efeito na Barquinha, inovando com as transmissões em directo pela Ticketline, que num futuro já bem próximo podem constituir uma desejada alternativa ao (infelizmente) desinteresse dos canais televisivos generalistas em apoiar a Tauromaquia - que depois foram também realizadas desde as praças da Azambuja e do Campo Pequeno (na última corrida da temporada).

Montijo, Tomar e Montemor foram, entre outras, praças onde não se realizaram touradas - e foi pena.

Houve a lamentar o infeliz incidente da Corrida RTP que não se chegou a efectuar em Monforte - e que tanta tinta fez correr - pelo facto do seu verdadeiro promotor, o empresário João Duarte, ainda que encapotado numa empresa nova gerida pela sua companheira, ter em atraso uma dívida para com três grupos de forcados, o que levou a Associação Nacional de Grupos de Forcados a tomar a drástica, mas compreensível e legítima, posição de aconselhar os seus associados a não pegarem nesse espectáculo. 

O caso segue dentro de momentos nos tribunais... e constituiu a única nota negativa do ano em termos empresariais. Tinha sido desnecessário. Tendo sobretudo em conta tratar-se de um empresário veterano, com prestígio conquistado na organização de inúmeras corridas mediáticas e com obra feita - que não tinha precisão nenhuma de terminar assim o seu reinado.

Moura Jr., Telles, Palha e Bastinhas na frente

Estiveram em actividade, a atestar pelo dados estatísticos elaborados pelo site toureio.pt., 29 cavaleiros de alternativa, 8 praticantes e 4 amadores, 5 matadores de toiros, 5 novilheiros , 31 grupos de forcados e lidaram-se toiros de 38 ganadarias nacionais e de uma única ganadaria espanhola, a de Prieto de la Cal (em Vila Franca, em Outubro).

É óbvio que num ano assim todos os artistas actuaram menos do que era habitual. Luis Rouxinol Júnior, no terceiro ano como cavaleiro de alternativa, liderou esta temporada o escalafón com 10 actuações - e reafirmou a escalada triunfal e meteórica com que se vem afirmando rumo ao estatuto de Figura.

De resto, não houve grandes alterações no pelotão de triunfadores. João Moura Júnior marcou presença em apenas quatro corridas, mas foram mais que suficientes para confirmar a sua indiscutível liderança, marcando um ano mais a diferença.

João Ribeiro Telles voltou a consagrar-se como um dos grandes cavaleiros do momento, Francisco Palha também prosseguiu a sua trajectória de alto risco e continuou a ser um dos maiores responsáveis pelo regresso da emoção à Festa e Marcos Bastinhas confirmou a consagração que protagonizara no ano anterior, naquela que tinha sido a sua mais difícil temporada (primeira depois da morte de seu Pai), voltando este ano a subir degraus que o reafirmaram e posicionaram indiscutivelmente no patamar da frente.

Sem alcançar o triunfo sonhado na sua única presença em Lisboa, João Moura Caetano totalizou quatro corridas, triunfando nas outras três; Miguel Moura toureou pouco (três corridas) e faltaram-lhe palcos importantes para se afirmar; e, entre outros, destaco ainda Gilberto Filipe (5 corridas), que continua a ser um cavaleiro importante e de valor e que nunca desilude, antes pelo contrário.

Telles Bastos e Duarte Pinto: passos em frente

Nesta temporada tão estranha e tão atípica, dois cavaleiros se destacaram ainda de forma que considero importante realçar. Foram eles Manuel Ribeiro Telles Bastos e Duarte Pinto

Ainda não há muito tempo eram considerados toureiros de valor, mas não tinham a merecida relevância, nem o justo reconhecimento do público e das empresas. Compunham cartéis. Este ano, deram ambos um importante e decisivo passo em frente.

Telles Bastos (nove corridas) deu por fim o grito do Ipiranga em Lisboa na corrida dos toiros Murteira Grave, mantendo esse nível de renovação e grande evolução na sua carreira em todas as outras praças em que se apresentou. E Duarte Pinto (sete corridas) reafirmou, também e sobretudo nas suas três presenças na capital, mas também nas outras praças, a força e a consistência do seu toureio de verdade.

Filipe Gonçalves, que foi uma das notadas ausências no Campo Pequeno, assinalou os seus 15 anos de alternativa com triunfos notáveis noutras praças. António Brito Paes manteve a estrela de toureiro bom, se bem que em palcos secundários. Ana Rita prosseguiu a sua actividade em Espanha cortando orelhas e marcando posição e esteve presente em três corridas no seu país, nas quais deixou bem claro que devia fazer mais vezes parte dos cartéis nacionais. Parreirita Cigano não deu ainda o salto para recuperar o lugar que já foi seu, mas voltou a apontar rasgos de valentia e ousadia nas três corridas em que participou. E António Prates revalidou o selo de promissora figura nas cinco corridas em que tomou parte. David Gomes toureou apenas duas vezes, mas deixou a mensagem de que é também um cavaleiro a ter em conta. E nos Açores continuaram a marcar pontos positivos os irmãos Tiago e João Pamplona, dois cavaleiros de dinastia - e de valor.

Os "antigos" ainda mexem e ainda marcam

Vivemos, há quase vinte anos, um período de permanente renovação, a que eu chamaria antes evolução, com a chegada de uma nova vaga de grandes cavaleiros - mas a realidade é que os "antigos" ainda mexem, ainda marcam e ainda mandam.

Injustamente penalizado por todas as empresas - atitude lamentável e mesmo revoltante - pelo triste episódio dos galgos em Fevereiro, o Maestro João Moura toureou apenas em duas corridas. E aqui não posso deixar de louvar e aplaudir o gesto de José Gonçalves, empresário recém-chegado à Festa, que teve a ousadia e a grandeza de, contra tudo e contra todos, o contratar para uma corrida na Barquinha, onde "reapareceu". Toureou depois também em Monforte.

E a verdade é que ninguém chamou nomes feios a João Moura, nem ninguém esqueceu, apesar do tema dos galgos, todo o seu historial de glória. E as praças abanaram com a maestria mourista, ainda e sempre o primeiro. Esteve também anunciado para as duas últimas corridas do ano em Évora e no Cartaxo, mas o cancelamento das mesmas impediu que o voltássemos a ver - e a aplaudir.

Mestre dos Mestres, António Ribeiro Telles deu lições de cátedra nas nove corridas em que actuou e continuou igual a si próprio, que é o mesmo que dizer: cada vez melhor. Imbatível.

Luis Rouxinol manteve em oito corridas a chama costumeira de primeira figura e de toureiro desejado e voltou a estar sempre bem. É um toureiro marcante e que não sabe, nem consegue, estar mal. Rui Salvador toureou só quatro corridas e teve sobretudo um triunfo importante em Lisboa, mantendo também a áurea de toureiro grande e importante. Ana Batista quase não teve tempo, nem espaço, para celebrar os seus 20 anos de alternativa. Toureou três corridas, mantendo inalterável a sua classe e o seu bom toureio, que reafirmou em Lisboa na corrida dos toiros Murteira Grave.

Dois cavaleiros comemoraram 25 anos de alternativa: Francisco Cortes em Estremoz e Marco José na Barquinha. E ambos estiveram à altura das respectivas celebrações, apesar de continuarem a ser eternamente toureiros esquecidos e que compõem, sem desiludir, qualquer cartel.

2020 serviu também para demonstrar que às vezes a prata da casa chega e sobra sem ser necessário recorrer às grandes figuras do país vizinho - se bem que em toda a nossa História tenhamos tido sempre rejoneadores espanhóis a alegrar os cartéis nacionais, casos dos irmãos Peralta, de Domecq e Vidrié em tempos mais idos e de Pablo Hermoso e Diego Ventura nos anos mais recentes.

Este ano tivemos Andrés Romero a marcar a presença do rejoneio - do bom rejoneio - e a competir de igual para igual com os nossos melhores cavaleiros, sem nunca destoar, triunfando. Um bom trabalho do seu apoderado António Nunes e que deixou Romero em posição de destaque para aumentar, com Hermoso e Ventura, o número de figuras de Espanha que mais interesse despertam ao aficionado.

Já em fim de temporada, foi também marcante a corrida de comemoração dos 40 anos de alternativa de Paulo Caetano, em Monforte, onde o Maestro deu lição de arte e temple e onde João Moura e João Salgueiro (na sua única corrida) comprovaram que os "antigos", quando toureiam, ainda têm uma importantíssima palavra a dizer.

Foi pena Paulo Caetano não ter tido a celebração desejada num palco mais importante, como merecia e se impunha, mas Pombeiro já disse que o cartel desta corrida de Monforte, pelo êxito que teve, pode ser repetido na próxima temporada no Campo Pequeno. Oxalá, assim esperamos.

João Salgueiro da Costa não toureou em 2020, por opção própria. E Rui Fernandes, que em Março liderou o Movimento dos Cavaleiros e tanto lutou para que a temporada arrancasse, foi o grande ausente deste ano de todos os perigos, contabilizando uma única actuação em Fevereiro no festival que se realizou na Granja. Foi também uma opção sua, ao que consta, por não se ajeitar aos honorários da "nova realidade", mas foi pena - e fez falta. 

Novas estrelas no firmamento

António Ribeiro Telles filho (praticante) e Tristão Ribeiro Telles (ainda amador) foram, no naipe das novas estrelas, aqueles que mais degraus subiram em 2020, a par de Mara Pimenta, que tinha a alternativa agendada para Maio em Almeirim e a adiou para o próximo ano, destacando-se e marcando posição em quatro corridas, uma delas a televisionada de Almeirim.

Paco Velásquez fez a prova de praticante na Barquinha, depois de ter toureado antes da pandemia no festival da Granja, mas estranhamente e apesar de ter triunfado, não voltou a actuar. E entre os cinco praticantes que estiveram em actividade, actuaram ainda Manuel de OliveiraAntónio Núncio, Francisco Núncio, Joaquim Brito Paes e Soraia Costa (uma vez cada).

Francisco Maldonado Cortes, com dois triunfos, em Estremoz e na Ilha Terceira, foi o cavaleiro amador-revelação da temporada. Diogo Oliveira voltou às lides com um êxito em Vila Franca e viu adiada a prova de praticante que estava agendada para a Moita devido à chuva que o impossibilitou de tourear. O promissor Duarte Fernandes teve um brilhante arranque no festival da Granja em Fevereiro, mas o seu anunciado lançamento ficou adiado pela pandemia.

Ano importante para o toureio a pé

Apesar de tudo e no contexto em que se desenrolou a temporada, com muito menos espectáculos, acabaram por sobressair os nossos matadores de toiros, que em circunstâncias normais e com um sempre habitual maior número de espectáculos só com cavaleiros, teriam um ano mais passado despercebidos entre os pingos da chuva.

"Juanito" somou pontos em cinco corridas e posicionou-se num patamar de enorme destaque a ter em conta nas próximas temporadas. Substituiu o amuado Perera na Moita, onde voltou a actuar na noite seguinte e substituiu também, aqui ao lado de "El Fandi", o francês Castella em Vila Franca, que decretou abandonar as arenas três dias antes da corrida para que estava anunciado na "Palha Blanco"

Deixou "Juanito" a constância do seu valor e da sua arte - e só foi pena que não tivesse voltado ao Campo Pequeno depois de uma digníssima participação no festival do Dia da Tauromaquia em 29 de Fevereiro.

Joaquim Ribeiro "Cuqui" deu por fim o passo afirmativo em frente com um memorável triunfo nas Caldas da Rainha e depois outro na Feira da Moita - que o colocaram também num patamar destacado e que certamente os empresários terão em conta no ano que vem.

António João Ferreira actuou, incompreensivelmente, numa única corrida, onde fez brilhar todo o seu imenso valor e toda a grandeza do seu estilizado toureio. Foi no Campo Pequeno, na única corrida mista do abono, onde regressava com todo o mérito e toda a justiça do empresário Luis Miguel Pombeiro, depois de ali ter sido violentamente colhido no ano anterior.

Nuno Casquinha teve um êxito importante em Lisboa no festival do Dia da Tauromaquia, mas o mesmo não teve depois reflexos na sua temporada. Este ano sem o placeamento costumeiro adquirido nas muitas corridas que toureava todos os anos no Perú e com o incidente de percurso de a meio da temporada se separar do seu apoderado Paco Duarte, não viveu um ano de esplendor e triunfos como era seu hábito e como sucedera na temporada anterior. Vimo-lo na Feira da Moita sem as ganas de sempre. Mas é um toureiro em que todos continuamos a acreditar e que tem valor de sobra para dar a volta e regressar à tona.

O artístico Manuel Dias Gomes foi, incompreensivelmente, o maior ausente da temporada no que aos matadores diz respeito. Pena que isso tenha acontecido - sem que se justifique de maneira alguma que as empresas não tenham contado com ele. Esperamos todos pelo regresso em força em 2021.

No que a novilheiros diz respeito, actuaram cinco. Filipe Martinho, da Escola da Moita, teve destacados triunfos em Espanha. Duarte Silva, da Escola de Vila Franca, reafirmou grandes potencialidade nas três vezes em que actuou. 

João Diogo Fera obteve um êxito importante no recente festival na Azambuja, que se espera venha a ter os merecidos reflexos na próxima temporada. E Diogo Peseiro andou a dar nas vistas em muitos tentaderos e apresentou-se unicamente em praça uma vez, também no referido festival da Azambuja, onde demonstrou valentia e muito querer diante de um toiro com cinco anos que lhe deu quase nenhumas opções.

Forcados na linha da frente

Mesmo com poucos ou quase nenhuns treinos, os bons grupos de Forcados - últimos grandes românticos da nossa Festa - marcaram esta temporada atípica e registou-se mesmo aquilo que há muito se esperava: brilharam os melhores. Digamos que finalmente se separou o trigo do joio.

Estiveram 31 grupos em actividade, mas a maioria deles exibiu-se apenas em uma ou duas corridas, dada a diminuição de espectáculos.

O Grupo de Vila Franca foi o que mais vezes pegou (6), seguido pelos de Santarém e Chamusca (5 actuações cada), Montemor, Ramo Grande e Aposento da Moita, que comemorou 45 anos de existência, com 4 corridas cada; Lisboa, São Manços, Azambuja, Alcochete, Évora, Coruche e Tertúlia Terceirense (3 cada) e todos os outros a seguir com apenas duas ou uma exibição.

Destaque para a grande noite dos Amadores de Montemor em Lisboa na corrida dos Murteira Grave; para a histórica e triunfal actuação dos Amadores de Alcochete na Feira de Agosto na sua praça e também no Campo Pequeno na noite dos toiros Veiga Teixeira; para a noite de glória dos Amadores de Vila Franca em Outubro na "Palha Blanco"; e para as triunfais actuações em Lisboa dos grupos de Lisboa, do Aposento da Moita e do Ramo Grande; e ainda para a triunfal corrida de Santarém em Setembro, com os Amadores de Santarém e os de Montemor em tarde grande.

Lidaram-se, mesmo assim e apesar da realização de muito menos corridas neste ano de todos os perigos, segundo os dados elaborados pelo site toureio.pt, toiros de 38 ganadarias nacionais, de que se posicionaram na frente as de Ribeiro Telles (23 toiros lidados), Murteira Grave (21), Palha (17), Passanha (14), Fernandes de CastroVeiga Teixeira (13 cada), Vinhas (12, na celebração do seu 70º aniversário) e Mata-o-Demo (12), ganadaria esta que teve em 2020 o seu primeiro ano de maior consagração. Vieram seis toiros a Vila Franca da ganadaria espanhola Prieto de la Cal.

Uma palavra final - de tristeza - para lamentar, entre outras, a morte do Maestro Mário Coelho, uma força da natureza e um toureiro notável, vítima da covid-19 e que deixou um sem número de órfãos e uma saudade imensa em todos, tantos, que o admiraram e respeitaram ao longo de anos.

E pronto. Feitas as contas, tivemos a temporada possível - e a temporada a que Luis Miguel Pombeiro deu o tiro de partida, com o apoio do novo gestor do Campo Pequeno, Álvaro Covões, que afinal não foi o "papão" que todos receavam e, mesmo sem ter qualquer ligação directa à realização das touradas, teve o bom senso de manter viva a razão de ser por que foi há mais de cem anos construído o monumento de que agora está à frente. Teve ainda a justa atitude de no final da temporada reconduzir Pombeiro na gestão taurina da nossa primeira praça. Apesar de intromissão de alguns pára-quedistas que lhe queriam "fazer a cama" e apresentaram mesmo propostas para o substituirem... sem ninguém lhas ter pedido...

E venha 2021! Mas não se iludam muito: a pandemia está para durar e pelo menos os primeiros meses da próxima temporada vão certamente manter o mesmo formato de realização dos espectáculos que constituiu esta "nova diferença" de uma realidade tão estranha e tão distinta daquela a que estávamos habituados.

A peste da covid-19 mudou as nossas vidas. E mesmo que acabe, espera-se que um dia isso aconteça, nunca nada vai ser igual ao que era.

Foto M. Alvarenga