Miguel Alvarenga - Pena só que os aficionados e o público em geral não tenham ido ontem à tarde à "Palha Blanco". Numa praça com lotação oficial de 4.148 lugares, limitada ainda a 50% (ao contrário dos estádios de futebol e de todos os demais espectáculos culturais, que já podem funcionar com a lotação a 100%... a tauromaquia fica sempre para trás e agora os nossos ditos representantes andam mais preocupados com a praça de Viana do Castelo, que até já foi derrubada...), as bancadas da "Palha Blanco" não tinham mais de mil espectadores, ou seja, menos de metade da lotação permitida. Foi pena. Quem não esteve perdeu uma grande corrida.
Vários factores poderão agora ser analisados para tentar justificar esta falta de público em Vila Franca. Desde quinta-feira passada e até à próxima terça-feira (feriado de 5 de Outubro) realizaram-se e estão ainda anunciadas uma mão cheia de corridas de toiros. Só hoje havia mais duas, com cartéis aliciantes (cavaleiros, forcados e toiros a prometer emoção), à mesma hora, em Évora e no Montijo. Toiros a mais para público - e dinheiro - a menos...
O Benfica, dizem-me, que disso não entendo nada, jogava também à mesma hora...
A tudo isto, juntarei uma razão superior: "Juanito" está a afirmar-se e ontem consagrou-se mesmo como a nova Figura, o novo ídolo, do nosso toureio a pé. É neste momento o único a jogar forte na alta roda do toureio em Espanha, se bem que precise em breve de ultrapassar o cerco das praças da Extremadura e dar entrada nos grandes palcos (onde já esteve ainda como novilheiro, mas não já como matador) - mas em Portugal e pese embora os triunfos que este ano alcançou em Lisboa e na Moita, ainda não tem o poder de arrastar multidões e encher praças como o teve Pedrito.
E porquê? Não tem valor para isso? Tem, sim senhor. Carradas de valor. O que lhe falta é um Fernando Camacho. Já aqui o escrevi uma vez e insisto: a imagem de "Juanito" precisa de ser trabalhada. O toureiro precisa urgentemente de ser dado a conhecer ao grande público, assim como o genial e insubstituível Camacho deu a conhecer Pedrito no tempo. É essa, apenas e só, a única falha.
Na "Palha Blanco", "Juanito" deu nesta tarde o seu grande grito de afirmação. Com consistência, com maturidade, com raça e com muita arte e poderio. Enfrentou seis toiros de diferentes encastes - toiros para os toureiros de arte (e ele é um) e toiros para os toureiros de luta e de poderio (que ele também é) e teve argumentos para todos. Triunfou sobretudo no toiro de Palha, segundo da ordem, um toiro sério e a pedir contas. E no toiro de Murteira Grave, quarto, um toiro de bandeira a que ministrou uma faena de escândalo. Em todos os outros esteve artista, mandão, poderoso e a demonstrar todas as potencialidade do seu imenso valor.
Dúvidas penso que já ninguém tinha. Mas se as houvesse, "Juanito" consagrou-se ontem em absoluto e definitivamente como a nova Figura do toureio a pé de Portugal. Há que saber agora aproveitar esta embalagem e fazer dele, também, um ídolo dos portugueses.
Todos os seis toiros tiveram bonita apresentação, trapio e foram toiros com seriedade e a impor, exigindo e transmitindo, embora de comportamentos distintos. Foram lidados, por esta ordem, exemplares de Falé Filipe, Palha, Varela Crujo, Murteira Grave, Calejo Pires e Ribeiro Telles.
No primeiro, de Falé Filipe, com alguma qualidade, mas que em nada facilitou, "Juanito" deixou logo ali demonstrado que vinha com ganas de triunfar. Bonito quite de capote e diversificada faena de muleta, com apontamentos de classe e de arte.
No segundo, de Palha, um toiro com perigo, o toureiro agigantou-se e realizou uma faena de risco e de muita entrega, que brindou a Lola Iniesta, viúva do saudoso ganadero espanhol José Luis Iniesta, que muito o apoiou nos seus começos em Espanha. Foi o primeiro grande momento da tarde. Uma faena de grande poderio e em que se arrimou que nem um leão. O público reconheceu o valor do toureiro. O director de corrida Ricardo Dias, não. Concedeu-lhe música apenas nos últimos segundos da faena... Mas depois permitiu-lhe (reconheceu tarde o valor da faena...) a primeira volta à arena, acto ainda não permitido pelas novas regras da pandemia, mas que muitos toureiros começam agora a furar, com a condescendência (que não critico, antes pelo contrário) de alguns directores de corrida. Ricardo Dias esteve mal e foi injusto com a história (tardia) da música, mas depois emendou-se quando lhe permitiu que fosse dar a (exigida) volta à arena.
O terceiro toiro era de Varela Crujo, mais reservado, com menos passes e a defender-se. "Juanito" brindou a faena ao seu picador António Palomo, um dos pilares da sua quadrilha em Espanha desde os seus inícios - e sacou ao oponente todo o sumo que ele não tinha. Entregou-se, pôs a carne no assador, arrimou-se de novo, conseguiu algumas séries de bonito efeito, mas o toiro não tinha mesmo mais para dar. Foi a única faena em que nem à arena veio agradecer aplausos.
A seguir foi a explosão, com uma faena de escândalo ao fantástico toiro "Chocolate" de Murteira Grave, um toiro sério e que proporcionou ao toureiro um doce triunfo, fazendo jus ao seu nome. O toiro foi indultado, regressou à Herdade da Galeana, foi premiado pelo director de corrida com volta à arena antes de ser recolhido, recebeu calorosas ovações do público e depois o ganadeiro Joaquim Grave teve merecidas honras de dar a volta à arena (mais uma) com "Juanito" - que esteve simplesmente fabuloso e magistral a toureá-lo.
O quinto toiro, de Calejo Pires, também evidenciou qualidade, mas durou pouco tempo, cedo se apagou. "Juanito" voltou a estar bem com o capote, tércio em que esteve diversificado a tarde toda, mostrando todo o seu completo repertório. Com a muleta, faena brindada aos dois apoderados Vitor Mendes e Joaquín Domínguez e a seu pai, o bandarilheiro Hugo Silva, fez a faena possível, pondo raça e muitas ganas numa actuação que o público depois premiou com fortes ovações.
Ao último toiro, da ganadaria Ribeiro Telles, "Juanito" esperou-o de joelhos frente à porta dos sustos e desenhou uma emotiva e arriscada "larga afarolada", a que se seguiram cingidas e artísticas "chicuelinas". Brindou esta última faena ao público presente. Complicado e perigoso, o toiro de Ribeiro Telles não facilitou a vida ao matador, deixando mesmo antever em todas as estranhas investidas o perigo de uma colhida iminente - que felizmente não chegou a acontecer, muito embora se tivesse registado um momento de perigo quando quase lhe acertou com um piton na cara numa das passagens pela muleta de "Juanito". Faena de entrega e de valor acrescentado pelas dificuldades que o toiro apresentou.
Acrescente-se a tudo isto que "Juanito" lutou a tarde toda contra o vento que se fez sentir na "Palha Blanco" e que, pelos vistos, veio substituir a chuva que se anunciava - o que valoriza ainda mais este rotundo triunfo na tarde da primeira "encerrona" da sua história como matador de alternativa.
No final saíu triunfalmente em ombros - em glória e em absoluta consagração. Portugal tem uma nova figura! Indiscutivelmente.
Grandes pares de bandarilhas dos portugueses João Oliveira, Diogo Vicente, Filipe Gravito e João Martins e também do bandarilheiro espanhol Luis Miguel Amado.
Como sobressalente (obrigatório numa "encerrona") esteve o (desconhecido) matador espanhol Martín Nuñez, que, felizmente para o nosso "Juanito", não chegou a intervir.
Exceptuando a já referida injustiça (musical) no segundo toiro, o director de corrida Ricardo Dias esteve aos comandos da corrida de ontem na "Palha Blanco" com a usual competência, assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva.
Resumindo e concluindo, tarde grande e importante, de grande afirmação e plena consagração para "Juanito", a nova estrela do toureio português. Falta mesmo só um Camacho para o colocar na alta roda da nossa sociedade e trazer de novo às praças, para o ver, políticos, artistas e socialites, como aconteceu no tempo de Pedrito. De resto, temos Toureiro e temos Figura!
Fotos M. Alvarenga