Miguel Alvarenga - Forçosamente ausente por motivos profissionais (não taurinos), constato, com alguma surpresa e muita inquietação, que a corrida da ilustre Família Ribeiro Telles, de homenagem a António pelos 40 anos de alternativa, não esgotou, nem sequer encheu, ontem, a praça "Palha Blanco" - que, indiscutível e reconhecidamente, é a praça-talismã dos Telles.
Registou, contra todas as expectativas, uma fraca e "envergonhada" entrada de dois terços - o que é estranho e preocupante. Era a terça-feira nocturna da Feira de Vila Franca, a data forte do ciclo. Eram os Telles todos na sua praça-talismã. Era a homenagem a António, o Califa de Vila Franca. Era a tradicional encerrona dos Forcados de Vila Franca, habitualmente denominada como a noite de exaltação ao brioso Forcados Vilafranquense. Passou-se o quê para este falhanço?...
Este filme dos Ribeiro Telles foi estreado há precisamente quarenta anos no Campo Pequeno, com lotação esgotada e memorável desempenho do patriarca Mestre David, que deu nesse noite a alternativa ao António, testemunhada pelos irmãos João e Manuel. Lembro-me desse êxito como se fosse hoje.
Anos mais tarde, já neste século XXI, houve duas reprises, também no Campo Pequeno e ainda com a presença do saudoso Mestre, que foram as alternativas de Manuel Telles Bastos e de João Ribeiro Telles. Outra vez com praça esgotada nas duas ocasiões (em anos diferentes).
O filme da ilustre Família Ribeiro Telles tornou-se um clássico, estilo "Ben-Hur", que se vê sempre com agrado, desde que não seja exageradamente repetido. E começa a ser. Talvez o problema seja esse. Ou outro, sei lá...
Já mais recentemente e ainda no reinado de Rui Bento à frente do Campo Pequeno, houve nova reprise que foi um novo sucesso, desta vez - e infelizmente - já sem o saudoso Mestre, com António, Manuel Bastos e João. E no ano passado, o mesmo Rui Bento estreou em Almeirim a nova versão - já com novos actores, os jovens António Filho e Tristão -, que Pombeiro repetiu este ano na primeira noite (lotação esgotada) da curtíssima temporada lisboeta.
Há menos de um mês, houve um filme parecido na Moita: João Telles lidou seis toiros e num deles repartiu praça com os primos Manuel Bastos, António Filho e Tristão.
Parecendo que não, começou a haver uma repetição exagerada do filme. Mas os actores são bons e quando assim acontece, o público não se cansa de ver a fita mais que uma vez.
Se Almeirim e Lisboa registaram super-enchentes (lotações esgotadas, melhor dizendo), era de prever que ontem acontecesse o mesmo em Vila Franca - onde as razões para esgotar eram, à partida, mais fortes. A "Palha Blanco" é a praça dos Telles. António é o Califa da "Palha Blanco". Passou-se o quê, então?
O público fartou-se dos Telles? Credo! Isso nunca vai acontecer. Mais depressa fica o Tejo sem água...
O público, que já deixou as bancadas às moscas na primeira corrida desta "irrepetível" Feira de Outubro, no domingo passado, não encheu ontem a "Palha Blanco" em sinal de protesto (que está a ser muito sonoro nas redes sociais) pelo facto de o empresário Ricardo Levesinho "substituir" amanhã Morante pelo novilheiro praticante Tomás Bastos, em vez de trazer outra primeira figura a fazer as vezes do génio de La Puebla?
Também não acredito nesta hipótese. Vila Franca procurava há anos um ídolo novo. Encontrou-o, por fim, na jovem figura de Tomás Bastos. Voltar a vê-lo na "Palha Blanco" era um desejo dos aficionados da "Sevilha portuguesa". Não vem Morante, nem é substituído. Mas o empresário compensou os aficionados com a incorporação da nova estrela no cartel. Não há assim muitas razões para grandes protestos, a não ser que sejam, apenas e só, pela costumeira maldade de estar contra... Ou há?
Passou-se então o quê? Chegámos ao final da temporada e as pessoas estão já fartas de ver sempre mais do mesmo? Levesinho deveria ter guardado a cartada do filme Telles para a alternativa de Tristão no ano que vem, não insistindo na repetição nesta Feira de Outubro, depois de já todos terem visto este ano o filme no Campo Pequeno? Talvez, sei lá...
E quem não foi, perdeu ontem um grande filme?
Pelo que li e pelo que me contaram, a noite ficou marcada pela emotiva homenagem a António Telles, que depois sofreu um susto (violento encontrão contra as tábuas), mas depressa se reencontrou, triunfando; por uma actuação "do outro mundo" de João Telles, a melhor da temporada, dizem, com um belíssimo toiro de Passanha (ganadeiro deu volta à arena e tudo!); por dois grandes ferros curtos de Manuel Telles Bastos, daqueles que levantam uma praça (e levantaram-na!) no toiro sobrero de Jorge Mendes (porque o seu Passanha foi devolvido aos currais por notórias deficiências); por uma boa lide de António Filho; por uma actuação irregular de Tristão; e pela lide final de outro toiro de Jorge Mendes pelos cinco Telles, à moda da Torrinha.
Noite grande dos Forcados de Vila Franca, com uma pega enorme de Guilherme Dotti (a consagrar-se como figura importantíssima da arte de pegar toiros!) à terceira tentativa ao quinto toiro da corrida; e as restantes efectuadas pelo cabo Vasco Pereira (à primeira), por Vasco Carvalho (à primeira, também), por Lucas Gonçalves (à segunda), por Rodrigo Andrade (à terceira), que deu volta com o primeiro ajuda; e por Rafael Plácido (à primeira).
Resumindo e concluindo: esta Feira de Outubro em Vila Franca não está a ter, nem de longe, nem de perto, a adesão de público que se esperava. A primeira corrida (mista) esteve às moscas; a de ontem, que tinha que encher, ficou-me pelos dois terços das bancadas preenchidos.
A ver vamos como é amanhã. Para depois tirarmos conclusões e percebermos se foi uma feira "irrepetível" no bom ou no mau sentido...
Fotos D.R.