segunda-feira, 23 de junho de 2025

Alcácer: corrida demorada, mas agradável! E Rouxinol muito mais que "apenas bem"!

Miguel Alvarenga - Já não ia há muitos anos à velhinha praça de toiros de Alcácer do Sal, baptizada com o nome do seu criador (principal impulsionador), o Mestre dos Mestres, João Branco Núncio - e voltei ontem, na tradicional corrida por ocasião da Feira Pimel, que dizem ter sido a última antes do encerramento para obras de habilitação (dois anos), dando lugar a mais uma arena multiusos, onde a tauromaquia continuará a ter o seu esplendor de sempre, espera-se, mas que será utilizada também e rentabilizada com outro tipo de eventos.

Gerida por José Luis Zambujeira e João Anão (Tertúlia Óbvia), a corrida de ontem tinha um cartel diversificado, de seis cavaleiros, incluindo o popularíssimo rejoneador mexicano Emiliano Gamero, onde se misturavam estilos para todos os gostos e onde nem faltava um Núncio, o Francisco, apelido histórico sempre obrigatório nesta praça do Califa. Os gloriosos Forcados de Montemor, desta vez a repartir cartel com os de Cascais (de que foi cabo o empresário Zambujeira), são também um cartaz que chama sempre público à praça nesta data e nesta corrida, como ontem voltou a acontecer. De enaltecer, como antes referi, a sensibilidade demonstrada pelos empresários ao rematar o elenco variado de seis cavaleiros com um Núncio, cavaleiro seguidor de uma dinastia ali nascida e que teve como grande pioneiro, Mestre João, o maior Mestre de todos os Mestres. Bisavô do Francisco, que é filho do também cavaleiro do mesmo nome, já retirado das arenas.

O elenco estava bem rematado, idealizado com aficion e com visão empresarial. Acrescente-se que foi lidado um fantástico curro de toiros da ganadaria Herdeiros de Varela Crujo, que muito contribuiu para o sucesso da corrida - e cujas fotos dos seis exemplares, impressas nos programas de mão, constituíram igualmente um atractivo apelativo para que o público fosse à praça. O ganadeiro foi premiado com merecida e muito justa volta à arena no último toiro.

O dia não estava demasiado quente (noutros tempos, nem se podia estar ali...) e o resultado do empenho e do bom desempenho dos dois empresários foi uma casa cheia, a rondar os três quartos fortes da lotação preenchidos.

Os toiros de Varela Crujo, como atrás referi, deram um contributo essencial ao resultado altamente positivo desta agradável corrida, impondo verdade ao espectáculo (e risco, o tal risco que muitas vezes anda afastado das nossas arenas por obra e graça de toiritos nhoc-nhoc...) sendo sérios, com excelente presença, mobilidade e exigentes nas lides e nem sempre facilitando a vida aos forcados, antes pelo contrário, o que, de algum modo, atrasou e arrastou a duração do espectáculo, que se iniciou às seis da tarde e acabou quando já eram nove e meia. Três horas e meia de corrida não é coisa que se ature... Valeu o facto de, mesmo complicadas, as pegas terem sido emotivas; e os cavaleiros terem estado empenhados e a dar o litro para triunfarem com toiros que metiam mudanças e não eram para brincadeiras... Arrastou-se e foi demasiado longa e demorada a corrida, mas, feitas as contas, valeu a pena ter ido.

O destaque maior vai para a lide brilhante, com ferros de arrepiar, do veterano Luis Rouxinol. É, como sabemos, um toureiro que está sempre bem, que não sabe estar mal, como costumo dizer, mas ontem em Alcácer esteve muito para lá do simples "bem", esteve imponente, verdadeiramente arrebatador. Uma lide de grande maestria e de muito bom gosto, de uma entrega e de um profissionalismo acima da média. Luis Rouxinol nunca foi embora, mas ontem voltou em grande!

Em segundo lugar toureou Sónia Matias, que foi homenageada ao início pelo Presidente da Câmara, Vitor Proença, e pelos empresários da Tertúlia Óbvia, pelos seus 25 anos de alternativa. O toiro não era fácil, pedia contas. Com uma actividade menos regular nas últimas temporadas, em que actuou menos, tendo por isso os cavalos pouco rodados, a popular cavaleira acusou alguma falta de ida aos treinos no início da lide, mas a seguir agigantou-se, veio por aí acima e o público entregou-se à sua garra, à sua sempre igual maneira de agradar e de conquistar os aficionados. Valente como as armas, Sónia protagonizou uma lide de valor e de muita raça. Público de pé, a aplaudir com entusiasmo.

Marcos Bastinhas (que brindou a sua actuação ao mexicano Emiliano Gamero), que na véspera alcançara mais um triunfo sonante na praça do Cartaxo, lidou em terceiro lugar outro toiro de nota alta de Varela Crujo, com o qual esteve em grande nível, impondo a sua arte e marcando, como sempre marca, a diferença. Esteve Marcos muito acertado com a ferragem, começando logo nos compridos a dar a prioridade ao toiro, citando de praça a praça, prosseguindo depois com uma lide de entrega e a que não faltou a habitual euforia, o par de bandarilhas, o salto do cavalo, as bancadas incendiadas com a contagiante simpatia e o desmedido valor do cavaleiro de Elvas. Quando o vemos, lembramo-nos sempre do Mestre. Joaquim Bastinhas está nas nossas memórias e Marcos tem sabido honrar essa herança. Tão importante.

Depois de um intervalo, prolongado e que dado o adiantado da hora bem podia ter sido evitado pelo director de corrida, entrou em praça Duarte Pinto para lidar o quarto toiro de Varela Crujo, outro exemplar que demonstrou seriedade e bravura, com mobilidade e presença. Brindou o cavaleiro a Arlindo Paços, Presidente da União de Freguesias de Alcácer. Fazendo jus à sua clássica forma de interpretar esta arte do toureio a cavalo, na senda da imagem sempre lembrada do Senhor seu Pai, Emídio Pinto, primou Duarte pelo bom gosto com que bregou, com que preparou as sortes e com que entrou depois pelo toiro dentro, vencendo o piton contrário, com emoção e verdade, cravando ferros que entusiasmaram o público.

Emiliano Gamero é indiscutivelmente um caso de popularidade e de grande empatia com o púbico. Mal entra em praça, com o sombrero mexicano e trajado de charro, mexe com o público, que o aclama e o aplaude, à espera de que saia o toiro e Gamero faça a diferença. Ontem, contudo, esteve uns furos abaixo do seu melhor, sem desiludir a sua legião de seguidores, mas também sem causar um entusiasmo igual ao de outras tardes. Emiliano Gamero chegara do México na véspera e a realidade é que se notou que os cavalos não estavam ainda oleados a cem por cento. Houve altos e baixos numa lide onde, apesar de tudo, imperou a muita garra do mexicano e a sua sempre honestíssima e muito profissional vontade de agradar. Terminou com dois arrojados ferros em sorte de violino. O público entregou-se e aplaudiu o rejoneador na volta que deu à arena com os forcados (de cara e primeiro ajuda) de Montemor.

Fechou praça Francisco Núncio, que dedicou a sua actuação a Sónia Matias. Enfrentou outro toiro de respeito e exigente e deixou patente a falta que lhe tem feito tourear mais corridas. Houve algum abuso de velocidade na cravagem dos três ferros compridos e depois sentiu-se que estava pouco cómodo com cavalos que nem sempre quiseram dar a cara e com os quais teve que lutar, para lá de enfrentar o toiro. Mesmo assim, Francisco é um cavaleiro com classe, que tem bases e que pode fazer melhor, como já lhe vimos muitas vezes. Falta-lhe apenas rodagem, presença em praças. Porque valor foi coisa que nunca lhe faltou.

Destaque e aplausos, porque os merecem, para os bandarilheiros que coadjuvaram as lides e que tiveram, sobretudo, um maior e eficiente labor ao serviço dos forcados nas seis pegas: Manuel dos Santos "Becas" e Ricardo Alves (equipa de Rouxinol), João Bretes e André Rocha (Sónia), Tiago Santos e Gonçalo Veloso (Bastinhas), Jorge Alegrias e Joel Piedade (Duarte Pinto), Joaquim Oliveira e o mexicano Aldo Navarro (Gamero) e Fernando Fetal e Francisco Honrado (Núncio) - honra aos toureiros de prata!

As pegas, como a seguir aqui vamos mostrar com a habitual reportagem fotográfica com todas as sequências, não foram fáceis - mas resultaram emotivas e, em alguns casos, espectaculares. A grande pega da tarde foi a consumada por Bernardo Batista, dos Amadores de Montemor, ao segundo intento, uma pega espectacular, ao terceiro toiro de Varela Crujo, premiada com o troféu que estava em disputa para a melhor pega.

Pelos Amadores de Montemor, abriu praça José Maria Marques (também ao segundo intento) e o forcado local Vasco Carolino, igualmente à segunda tentativa, no quinto toiro, com uma ajuda imponente de António Núncio Cecílio, que o acompanhou na volta à arena.

Pelos Amadores de Cascais pegaram Diogo Silva, na sua segunda tentativa, quinta efectiva para pegar o segundo Varela Crujo da tarde, a emendar Rafael Abraços, que fracturou uma clavícula depois de três tentativas; o veterano Carlos Dias, à terceira, numa rija pega de que saíu de maca o ajuda Vasco Boto, felizmente sem lesões graves; e, por fim, o cabo Afonso Tomaz de Cruz, forcado de eleição, com uma valente pega ao segundo intento ao sexto toiro da corrida.

Na direcção de corrida, acertado, com eficiência, esteve António Santos, assessorado pelo médico veterinário Feliciano Reis.

A Alcácer haverei de voltar. Provavelmente só depois das obras, quando já foi uma arena multiusos, a quinta a modernizar-se, depois do Campo Pequeno, do Redondo, de Elvas e de Évora.

Fotos M. Alvarenga