Miguel Alvarenga - Uma moldura humana impressionante e um ambiente dos de antigamente foram as tónicas dominantes da corrida do Dia de Portugal na Monumental de Santarém, que só por pouco não apresentou a lotação esgotada. Três quartos fortíssimos das bancadas preenchidos, como se pode ver nas fotos. Fruto de um bom cartel, em que actuaram a cavalo os dois primos rivais João Telles e Francisco Palha e, pela primeira vez nesta praça, o matador espanhol José Maria Manzanares, sem competidor, como único espada (seria importante e proveitoso para o nosso toureio a pé que, quando se pensam estas corridas, pensassem também em contratar um dos bons matadores lusitanos que nos honram, mas que as empresas por norma esquecem...) e ainda o Grupo de Santarém a competir nas pegas aos Graves com o de Vila Franca.
Os ingredientes não eram propriamente do outro mundo. Mas este dinâmico grupo de antigos forcados que gere a Monumental de Santarém - e que a recuperou das cinzas - é exemplar na forma como trabalha, como promove, como engrandece a tauromaquia e como quase sempre consegue encher a sua praça. O ano passado, esta corrida esgotou com Roca Rey. Este ano andou lá perto com Manzanares. Foi altamente positivo.
E foi pena que nenhuma televisão tivesse registado esta apoteose de praça cheia. E, no final, esse grito enorme de esperança no futuro dado pela grande manifestação de jovens e, sobretudo, crianças, que saltaram à arena e acompanharam Manzanares e depois também Telles e Palha numa clamorosa e verdadeiramente impressionante afirmação de aficion e, acima de tudo, de continuidade desta Festa tão popular e tão enraizada nas nossas gentes, que por muito que tentem, jamais fechará as portas. O povo é quem mais ordena, já dizia o outro...
Manzanares não veio cá brincar e sacar o dinheiro, como alguns maldosos anteviam. Não enfrentou dois grandes toiros de Álvaro Núñez, mas também não enganou os aficionados toureando dois bezerros. Independentemente da qualidade (escassa) que (não) tinham, os toiros da ganadaria espanhola tiveram apresentação qb, apenas lhes faltava cara e cornos. Mas ninguém protestou, ninguém assobiou. Certamente antevendo que não iria conseguir grandes brilharetes, Manzanares não dedicou a ninguém, muito menos ao respeitável público, as suas duas faenas...
O primeiro era um bronco sem um passe e Manzanares não fez nada, não podia fazer omeletas sem ovos. O segundo tinha uns pontos acima no que a qualidade diz respeito e, aí sim, sem deslumbrar, sem deixar ninguém de cabeça perdida, Manzanares deu, com o capote e depois com a muleta, um arzinho da sua muita graça. Soube a pouco, mas foi melhor que nada...
A cavalo, os primos João Ribeiro Telles e Francisco Palha andaram apenas cumpridores nos seus primeiros toiros. Os quatro Graves eram bonitos toiros, com trapio e presença, mas deixaram desta vez muito a desejar...
Na segunda parte, João Telles andou em plano superior e fez explodir as emoções do público já no fim da lide quando entrou em praça com o fantástico cavalo "Ilusionista" e cravou dois ferros daqueles que param o coração a qualquer pessoa.
Francisco Palha respondeu à letra com outra lide deslumbrante, a pisar a linha de risco e a cravar ferros de uma emoção sem fim, levantando o público dos seus lugares como que impelido por uma mola.
Telles brindou as duas lides ao público; Palha dedicou a primeira ao rejoneador mexicano, ex-matador, Alejandro Amaya e ao bandarilheiro Diogo Vicente (da quadrilha de Manzanares); e a segunda a Manzanares.
Com mais algumas competições anunciadas, os primos Telles e Palha começam a despertar paixões entre o público e a protagonizar uma rivalidade interessante e que faz falta para animar as hostes.
Coadjuvaram as lides, sem exagero de capotazos, com excelentes e curtas intervenções e depois com boas preparações para as pegas, os bandarilheiros Duarte Alegrete e António Telles Bastos (da quadrilha de Telles), Diogo Malafaia e João Oliveira (de Palha). Na quadrilha de Manzanares, brilharam com as bandarilhas o espanhol Juan José Trujillo e o português Diogo Vicente.
Os Murteira Grave não dificultaram o labor aos forcados. Foram pelo seu caminho, com nobreza, sem derrotar quase nada.
Por Santarém pegaram António Queiroz e Mello e Miguel Ribeiro de Almeida, ambos ao primeiro intento, com boas ajudas de todos os companheiros e com o valoroso Francisco Luis Lopes, primeiro-ajuda de eleição, uma vez mais em grande destaque. Queiroz e Mello brindou a sua pega aos elementos da Associação Sector 9 e Ribeiro de Almeida a Maria Conceição Cabral, madrinha do grupo.
Pelos Amadores de Vila Franca pegaram Guillerme Dotti à primeira, pega simpaticamente brindada ao grupo anfitrião; e Lucas Gonçalves ao segundo intento, depois de brindar ao antigo e emblemático forcado do grupo Carlos Teles "Caló", reconhecido e muito aplaudido pelo público.
Ao início da corrida, celebrando o Dia de Portugal, tocou-se e cantou-se o Hino Nacional e a direcção do espectáculo foi muito bem assegurada por Marco Cardoso, assessorado pelo médico veterinário José Luis da Cruz, sendo uma vez responsável pelos toques o cornetim José Henriques.
Para o ano há mais. Vamos ficar o resto da temporada com saudades de Santarém e da sua tão bem cuidada e melhor gerida Monumental, indiscutivelmente assumida e referenciada agora como primeira praça do país.
Fotos M. Alvarenga
A Festa Brava tem futuro! E as novas gerações estão a favor |
João Telles e o "Ilusionista": a praça veio abaixo! |
Segunda actuação de Palha foi um assombro de emoções |
Manzanares: soube a pouco, mas deu um ar da sua graça... |