Antigo e promissor novilheiro vilafranquense, posteriormente bandarilheiro e também forcado, Hugo David, que nos cartazes se anunciava como "Niño del Rio", tem assumido ao longo dos anos posições corajosas e polémicas face a muitos dos problemas da nossa Festa. Hoje e a propósito da celeuma do velcro e, como conhecedor e participante em muitas das corridas realizadas na Califórnia (EUA), escreve esta Carta Aberta ao Dr. Rodrigo Alves Taxa, que ontem aqui deixou no "Farpas" um importante e oportuno artigo sobre este mesmo assunto
Carta Aberta ao Dr. Rodrigo Alves Taxa
Exmo. Sr. Dr. Rodrigo Alves Taxa
Em primeiro lugar, permita-me cumprimentá-lo e agradecer-lhe o facto de ter vindo a público defender a Tauromaquia. Contudo, apraz-me dizer-lhe que a Tauromaquia não se defende, explica-se e ensina-se.
No que diz respeito ao seu texto publicado hoje no “Farpas Blogue”, diz várias coisas que me sinto na obrigação e dever de as refutar. O Senhor diz: “… aquilo que há nos ‘’States’’, não são corridas de toiros mas antes uma recriação de um espectáculo à luz dos padrões culturais do local onde é feito para que lá possa acontecer. É uma realidade economicamente vantajosa para promotores e artistas, cenicamente próxima da versão originária mas ao que tecnicamente diz respeito é apenas uma versão apalhaçada do que é uma corrida de toiros. Nada mais que isso. Que não sejam mal interpretadas as minhas palavras. Considero que estas corridas têm muitos pontos positivos quando observadas numa lógica económico-comercial e considero que há empresários que têm feito um trabalho notável em seu redor. No entanto, tourear é outra coisa”.
Vamos lá por partes. É uma realidade economicamente vantajosa para promotores e artistas e eu acrescento apoderados (as comissões de festas pagam no mínimo 700 dólares por bandarilheiro e estes pagam em muitos casos menos de metade disso). Pergunto-lhe se sabe como se organizam as corridas de toiros na América? Sabe que na América 3/4 da bilheteira de cada corrida é oferecida? Se soubesse não diria que é economicamente favorável para os promotores (bolso dos mesmos), mas eu explico, quem organiza as corridas são as comissões de festas de cada local, estas comissões andam de porta em porta a pedir aos agricultores locais e não só, doações que na grande maioria é dada em gado para leilões (os 3/4 da bilheteira é oferecida a quem faz doações) leilões esses que servem para assegurar todos os gastos inerentes a cada festa, corridas, bailes, concertos, cantorias (cante típico dos Açores, actos religiosos, desfiles, entre outros), ao finalizar as festas o lucro da festa destina-se à igreja local, assim como a acções sociais aos mais carenciados, como os sem abrigo, por exemplo. Logo, o promotor de corridas da América não é o típico promotor de corridas em Portugal (que também têm muito que se lhes diga).
Quanto a ser vantajoso para os artistas, sem dúvida que o é. Permita-me dizer-lhe, que muitos dos que agora se mostram contra o velcro (eu também sou contra), são os mesmos que todos os anos e durante muitos anos, imploram para irem à América tourear e, como se não bastasse, até para os filhos pedem. Todos somos conscientes que na América muitos toureiros resolveram as suas vidas, assim como muitos invernos.
Quando diz que tecnicamente é apenas uma versão apalhaçada, permita-me dizer-lhe o seguinte, não lhe reconheço conhecimentos técnicos para que possa sequer pensar que haja diferenças técnicas na forma de tourear cá ou na América. Por outro lado, não lhe admito que me chame, nem aos meus colegas, de palhaços (respeito e é uma profissão muito digna), nem eu nem os meus colegas quando vamos à América vamos fazer palhaçadas, vamos sim, tourear!
Refere que numa lógica económico-comercial há empresários que têm feito um trabalho notável, aqui dou-lhe razão, mas deixe-me dar-lhe a conhecer o caso de um empresário (que não taurino) como exemplo notável, refiro-me à familia Martins, gente humilde da Ilha Terceira que emigrou quando ainda eram jovens pelas mãos dos pais. Com muito trabalho e sacrifício construíram uma vida estável e economicamente deu-lhes a oportunidade de alimentar a sua paixão (a tauromaquia), e começaram a vir a Portugal continental comprar cavalos (de qualidade duvidosa e caríssimos mas como eram os americanos podiam vender o marado que eles entendem pouco) aos toureiros para poderem levar a tauromaquia ao país que os tinha acolhido, com esforço e dedicação construíram uma quadra de cavalos para os portugueses lá poderem ir. Depois compraram uma ganadaria, ganadaria essa que com frequência a refrescaram com toiros de ganadarias mexicanas para que exista qualidade. Meto as mãos no fogo que essa família nunca mais terá o retorno do investimento feito ao longo de 40 anos para que possa haver espectáculos de qualidade e para que se mantenha a cultura portuguesa em terras do Tio Sam. Afirma que ser toureiro é uma profissão como médico, juiz, advogado...
Não poderia o senhor estar mais longe da verdade. Pergunte a um dirigente do seu partido (Chega), ao Senhor Nuno Pardal, que por sinal é presidente da Associação dos Toureiros, como fez desaparecer a tabela de honorários dos bandarilheiros profissionais, que existia há décadas, dizendo que as mesmas não existem ou não são válidas, já pode imaginar a dignidade como profissionais que os toureiros têm.
Concordo com algumas coisas que escreveu, mas sugiro-lhe que conheça melhor a Tauromaquia da América pessoalmente, ou então, a ver vídeos de corridas melhores, porque, tanto lá como cá, há corridas que não se podem ver.
Como pessoa de responsabilidade pública, lembre-se do que lhe disse no início deste humilde texto, a Tauromaquia não se defende, explica-se e ensina-se.
Com os melhores cumprimentos
Hugo David
Foto Pelayo Leal
