domingo, 22 de novembro de 2020

O manifesto que ficou por ler, o manifesto que não havia para ler...

Miguel Alvarenga - A minha manifestação ontem foi outra. Confinado em casa com o meu querido neto Santiago desde manhã cedo (foto de cima). Razão pela qual, às dez e meia da manhã, ou o deixava sózinho em casa, como no filme (tem só dois anos, era capaz de não ser muito aconselhável...) ou o levava comigo à Manifestação pela Cultura ao Campo Pequeno, mas acho que ele vai achar muito mais piada ir lá ver o Panda e Os Caritas em Dezembro...

Teria tido o maior dos gostos em ter estado na manifestação - apesar de ser uma manifestação dos outros e de esses mesmos outros também não terem estado solidários connosco (os dos toiros) quando em princípio de Junho nos manifestámos também ali no Campo Pequeno, mas, de qualquer forma, era uma manifestação pela Cultura e eu estou solidário com os profissionais das artes, dos palcos, da música, com os homens do som e da luz, com os empresários que este ano se viram privados de dar os seus festivais.

Por isso, aplaudo que os homens dos toiros tenham estado presentes. Directamente, não era nada com eles. Era muito mais com os outros. Os outros não cantaram, não representaram em palco, não puderam colher as receitas dos festivais que todos os anos organizam e atraem milhares de pessoas. Tiveram uma quebra de 87%, estão mais em crise que nós (os dos toiros) e reivindicam os necessários apoios por parte de um Governo que diz que tem, mas não tem, um responsável (ministro, neste caso ministra) pela Cultura.

Nós, os dos toiros, não nos podemos queixar assim tanto. Houve corridas de toiros, cerca de cinquenta, e só não houve mais porque não quiseram. Houve praças com capacidade e condições para poder realizar touradas em segurança, casos das do Montijo e de Beja, que não deram espectáculos apenas porque os seus empresários ou proprietários o não quiseram. Mas, tirando a reivindicação da descida do IVA, pouco mais temos neste momento para nos queixar. De quase todos os espectáculos culturais, só a Tauromaquia teve realizações este ano.

Por isso, repito, a manifestação de ontem era mais uma manifestação dos outros do que propriamente nossa. Marcámos presença porque somos solidários. Porque nos preocupamos com os outros. Mesmo quando eles se não preocupam connosco. Somos diferentes. Fomos sempre diferentes.

Foi importante que os outros artistas tivessem sentido, mesmo os que não gostam de touradas, mesmo os que são contra, que os artistas das arenas estiveram ao lado deles. Os apoiaram. Souberam dizer: "Estamos aqui, estamos convosco". Mais a mais, tendo sido em "Nossa Casa", na praça de toiros do Campo Pequeno, que realizaram o seu protesto. Que manifestaram as suas reivindicações.

Leio agora nas redes sociais exaltados protestos de alguns homens dos toiros pelo facto de ontem ninguém do sector tauromáquico ter subido ao palco para também usar da palavra. Leio até num site que os homens dos toiros terão sido impedidos de ler ontem um alegado manifesto - uns garantem que não havia manifesto algum e que não esteve nunca previsto os taurinos falaram na manifestação; outros asseguram que as nossas associações terão andado uma semana a tentar tratar disso e que terão sido sempre ignoradas pelos promotores da manifestação, a Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos.

Dizem que não nos passaram cartão, assim como quem diz que fomos (os dos toiros) fazer figura de parvos à manifestação. Estão nas redes sociais a discutir o sexo dos anjos. A armar confusão só por armar. Como se já não existissem confusões a mais...

Os homens dos toiros tinham que falar ontem na manifestação? Porquê, se o que lá se discutia, o que lá se reivindicava, o que lá se protestava, não tinha a ver com eles? Tinha a ver, sim, com outros agentes da Cultura. Nós estivemos lá, apenas e só, porque somos solidários. Mesmo depois de eles não terem estado a nosso lado quando em Junho, repito, nos manifestámos também no Campo Pequeno pelos nossos direitos - como eles agora se manifestaram pelos deles.

Em suma, estivemos lá - ao lado deles. Foi importante. E teria sido muito mais importante que os homens dos toiros tivessem questionado outras coisas, em vez de perguntarem porque razão não fomos ao palco falar, ler um alegado manifesto (manifesto a manifestar o quê?...). Era bem mais importante que tivessem questionado e discutido nas redes sociais porque razões Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Graça Fonseca não foram ontem à Manifestação pela Cultura. Tinham sido convidados. Mas nem se deram ao trabalho de responder...

Isso é que foi lamentável. O resto...

Fotos D.R. e Maria Mil-Homens