quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Velcro, sim ou não? - eis a questão

Velcro, sim ou não? - eis a questão. O tema está a agitar o mundo tauromáquico português e nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, as afirmações proferidas ontem pelo emblemático e veterano empresário José Manuel Ferreira Paulo (Cachapim), numa carta solidária ao cantor João Gil, incendiaram as hostes por completo

O Partido Socialista tem desde há dois anos em estudo um projecto de lei sobre o assunto que, a ser um dia aprovado, vai obrigar à utilização do velcro (há vários anos utilizado nas corridas de toiros da Califórnia, nos EUA) nas touradas nacionais. O assunto foi mesmo manchete do semanário "Expresso" em Novembro de 2018 (em baixo).

Ferreira Paulo já esclareceu ontem, em declarações ao "Farpas", que não é a favor do velcro, antes pelo contrário, defende desde sempre a corrida integral, mas considera que "o mundo evoluiu e o que eu quis dizer, talvez não tenha sido bem entendido, foi que se o velcro for a única solução para viabilizar a continuidade do espectáculo tauromáquico, temos que nos preparar e teremos mesmo que nos adaptar a isso".

O PS elaborou um extenso dossier, ao que o "Farpas" apurou junto de fontes parlamentares, em que reúne muita documentação, nomeadamente fotos e declarações de toureiros portugueses referentes às suas actuações nas praças de toiros da Califórnia, onde o velcro é utilizado para evitar o sangue.

Em Portugal, as opiniões dividem-se. Há quem aceite a possibilidade de utilização do velcro como garantia da continuidade da Festa, há quem sustente que isso significaria o fim da Tauromaquia no nosso país e há até quem sugira que nos deveríamos unir em torno de um candidato presidencial do mundo tauromáquico para ter tempo de antena e defender os nossos ideais. 

"Estão todos no direito de não concordar e discordar. Se continuarmos apenas neste caminho e não prevermos o futuro, nem velcros existirão . É o que o Dr. Ferreira Paulo quer dizer", defende (no Facebook) o empresário do momento, Luis Miguel Pombeiro, gestor taurino da praça do Campo Pequeno, que acrescenta: "Compreendo o que diz o Ferreira Paulo. Muitos pensam da mesma forma, mas não tem a coragem de o dizer. Está a ser muito difícil aguentar as investidas dos novos fascistas do Bloco de Esquerda e do PAN. E não se vai lá com a extrema-direita. Esses com a coligação nos Açores provaram que aderiram ao tal sistema e que também só querem é tacho...".

Já o empresário Rafael Vilhais considera "lamentável" a afirmação de Ferreira Paulo e escreve: "Em vez de escreverem cartas ponham-se à frente de um toiro com 4 anos e 550 quilos com velcro e vamos ver se são capazes. Ganhem juízo, por favor".

Nuno Pardal, antigo cavaleiro tauromáquico e presidente da Associação Nacional de Toureiros, opina: "Por muito respeito e amizade que tenho pelo Ferreira Paulo, não concordo nem aceito esse caminho. Imagine-se só como seria o conceito, as distâncias, a essência e os riscos acrescidos das lides quer a pé quer a cavalo. Imagine-se como seria o desempenho dos forcados e os riscos exponenciais de acidentes graves a que estariam sujeitos? Imagine-se as mudanças de seleção que os ganadeiros teriam que introduzir nos seus toiros. Há coisas que não se devem pensar e muito menos dizer".

Também o cavaleiro Luis Rouxinol se opõe ao velcro, afirmando no Facebook: "Tenho muita consideração por o dr, Ferreira Paulo mas sendo ele empresário e apoderado de um toureiro não posso concordar com a sua opinião e lamento ele vir dizer para o 'Farpas'! Isso seria o princípio do fim!".

Hugo Teixeira, jornalista e crítico tauromáquico, considera que "tudo isto é de condenar" e que o tema do velcro acaba por ser "um pau de dois bicos", acrescentando: "Também não concordo com Ferreira Paulo, por quem tenho grande estima. Mas... digam-me lá uma coisa ... Então porque motivo vão tourear os nossos toureiros aos States? Não abriram aqui uma excepção? Como é que se vão defender as bandarilhas se depois lá fora fazem o contrário e vão tourear com o velcro? Que comece o debate deste pau de dois bicos".

E a verdade é que o debate começou mesmo e já está a incendiar as redes sociais. Francisco Zenkl, forcado e também cavaleiro de alternativa, dá também no Facebook a sua opinião sobre tão polémico tema: "Nos States o que eles lá têm é um espectáculo que tiveram que adaptar para poderem ter uma espécie de corrida de toiros para a comunidade portuguesa aficionada ali radicada, e só assim foi possível que os deixassem ter esse espectáculo. Apesar de ser muito semelhante à nossa corrida de toiros, está muito longe dela! Como sabem, o toiro bravo é seleccionado pela bravura, e a nossa medida é o crescer ao castigo, e aí está a essência do toiro bravo! Ser picado e reagir ao castigo! Nos States já há mais de quarenta anos que seleccionam o toiro para o espectáculo deles, ou seja, as ganadarias da Califórnia estão seleccionadas para que os seus toiros corram e invistam sem serem castigados! Não duvido que tenham toiros bravíssimos, mas é muito diferente de cá!".

Paulo Paulino, grande referência dos forcados de Vila Franca, onde pegou durante dezoito anos, também reconhecido aficionado, contesta, obviamente, o uso do velcro nas nossas corridas: "Não vejo que haja debate algum, os nossos toureiros calculo que vão lá tourear por questões meramente económicas. O espectáculo (aproximado à Tauromaquia) que existe nos Estados Unidos, penso que desde a década de 70, teve de nascer com essas contingências ou pura e simplesmente não nascia, enquanto que por cá já existia Tauromaquia antes de existirem os Estados Unidos".

Também políticos participaram neste acalorado debate no Facebook (ontem, na página da rede social de Miguel Alvarenga, director do "Farpas"). 

Rodrigo Alves Taxa, reconhecido aficionado e membro do partido Chega, manifesta-se contra o uso do velcro, o que pode, à partida, indiciar a posição que o partido de André Ventura terá quando o tema for discutido na Assembleia da República: "O dia em que o velcro for adoptado em Portugal será também o dia que marcará a data, a partir da qual, não mais voltarei a entrar numa praça de toiros até ao fim dos meus dias!".

Délio da Silva Pereira, presidente da Junta de Freguesia do Cartaxo (a quem está entregue a exploração da praça de toiros local), tem sobre o assunto uma posição mais moderada e cautelosa: "Agradeço ao senhor Miguel Alvarenga a coragem de abrir o debate sobre um tema controverso mas, na minha opinião, de extrema importância para o futuro da Festa que tanto gostamos. É óbvio que não gostamos da utilização do velcro, mas temos todos a obrigação de reflectir sobre a sustentabilidade financeira da nossa tradicional corrida de toiros. Quando surgem aficionados a sugerir a implementação do uso do velcro, que é também o meu caso, é como alternativa ao perigo de extinção da nossa Festa. Reflectemos de forma educada e cívica respeitando a opinião de todos para encontrarmos uma solução que permita a viabilidade da nossa tauromaquia".

Pedro Santos, que foi notável novilheiro e bandarilheiro e vive hoje em Londres, vai mais longe e diz que nos temos de unir em torno de um candidato presidencial proposto pela Tauromaquia para que tenha tempo de antena e defenda os nossos interesses. E aponta mesmo o candidato que, na sua óptima, deveria ser Hélder Milheiro, o secretário-geral da Federação PróToiro:

"Podem dizer que é uma das minhas ideias parvas, mas eu considero que o problema imediato é político. E nós não temos nenhum partido que verdadeiramente defenda a Festa ou que diga que, não sendo aficionados, não permitem que a proíbam, ponto assente. Acho que os aficionados se deviam juntar e criamos um partido político, como o PAN, que apenas existe e só para acabar com a Festa. Criar esse partido é, penso eu, muito difícil e demora tempo, mas é viável".

E acrescenta:

"Mas temos uma solução para agora já, qual é? Arranjarmos um candidato às presidenciais, são precisas 7.500 assinaturas, que se candidatasse apenas para defender a Festa e toda a parte social que a engloba. Todos os aficionados teríamos que votar nele, independentemente de gostarmos ou não do candidato. É lógico que não irá ganhar, todos já sabemos quem ganha, mas iríamos ter visibilidade e, acima de tudo, votos. Esses votos irão ter um peso muito importante no futuro para termos o respeito dos partidos políticos. Ainda vamos a tempo de conseguir reunir as assinaturas e avançar com um candidato, que, a meu ver e assim rapidamente, seria o secretário-geral da PróToiro, o Senhor Hélder Milheiro, que está bem preparado e tem um discurso fácil. Essa seria para já a primeira grande medida a tomar na minha opinião".


A terminar, fiquem com a opinião de Miguel Alvarenga: "Penso que as palavras do empresário Ferreira Paulo terão sido, na realidade, mal interpretadas. O que ele quis dizer foi que, embora defendendo a corrida integral - e penso que disso ninguém terá nenhuma dúvida, trata-se de um dos mais antigos empresários nacionais, com obra feita e reconhecida paixão pela corrida integral, que todos os anos se desloca a praças de Espanha e no fim de cada ano vai às Américas assistir às grandes feiras taurinas -, não podemos deixar de nos preparar para a investida que o PS tenciona fazer, que é mais ou menos isto: ou usam os velcro ou acabam as touradas. Se for essa a única solução para viabilizar a continuidade da Festa, teremos que começar seriamente a pensar nisso, em vez de andar eternamente a assobiar para o lado. Todas as associações taurinas e muitos aficionados têm, desde há dois anos, conhecimento de que o velcro, mais tarde ou mais cedo, vai ser um tema que estará na ordem do dia, não o podemos ignorar. Por isso, considero importante que se abra o debate e que cada qual dê as suas opiniões, todas elas certamente válidas. Há prós e contras. Mas não podemos ignorar. E digo mais: há muito tempo, pelo menos há dois anos, que deveria ter sido a PróToiro a abrir este debate e não eu, ontem, na minha página do Facebook".


E acrescenta, a terminar:


"Todos sabemos que os toureiros, sejam a cavalo ou a pé, e principalmente os forcados, são contrários, com os toiros que temos em Portugal, ao uso do velcro. Qualquer pessoa o é. Não somos inconscientes, não queremos assistir a batalhas nas arenas. Mas os matadores espanhóis desde sempre tourearam em Portugal e cá os toiros não são picados, há uma diferença grande entre o toiro que enfrentam no país deles e os toiros que lidam cá. E mesmo assim sempre os lidaram. Podem os cavaleiros, os matadores nacionais e os forcados adaptar-se à corrida com velcro? Poder, podem, se tiver que ser. Mas penso que teria que ser uma solução a longo prazo. Primeiro que tudo, teriam os senhores ganadeiros que seleccionar um 'novo toiro', como o que existe na Califórnia, por forma a poder ser toureado e pegado sem ter sido 'castigado', sem ter sido bandarilhado. Mas não é nada que seja impossível. Se conseguiram, nos últimos anos, criar um toiro 'dócil' e mais suave, menos ofensivo, o chamado encaste Murube, também serão certamente capazes de criar um 'novo toiro', um novo 'encaste', que possa ser lidado com velcro, é tudo uma questão de tempo. Agora, neste momento, não estou a imaginar um toiro Grave, Teixeira, Silva, Passanha ou de que outra ganadaria seja, a ser toureado e pegado com essa modalidade do velcro. Por isso, meus amigos, o debate é importante. Mais que importante, é importantíssimo e é fundamental. Não fujam dele, nem se insultem uns aos outros. Discutam civilizadamente. Assim, haveremos um dia de chegar a algum lado".


Fotos D.R.


Manchete do "Expresso" há dois anos, em Novembro de 
2018. Há dois anos que todos sabemos que, mais tarde
ou mais cedo, o tema do velcro vai estar na ordem do dia.
Não podemos ignorar. Temos que nos preparar. Por isso,
é importante que se abra o debate, sem tabus